Vice, de Adam McKay, estava na minha lista de filmes mais aguardados de 2018. Motivos não faltavam: um excelente diretor e roteirista, elenco de peso e um político controverso como alvo. Como toda minha formação acadêmica (graduação, mestrado e doutorado) é na área de política estadunidense, a curiosidade era ainda maior.
É difícil ver o presidente e o vice-presidente dos Estados Unidos deixarem seus cargos com alta popularidade. É tradição por lá, no entanto, o resgate seletivo de uma presidência desastrosa: foi assim, no século XX, com Herbert Hoover; foi assim com Richard Nixon, que recuperou certo prestígio em seus anos finais de vida; e, mais recentemente, George W. Bush aparece na mídia com largos sorrisos, em uma versão mais leve, participando de programas noturnos que outrora faziam
Dick Cheney, vice-presidente de 2001 à 2009, mantém um curioso dado: ele foi um dos políticos mais impopulares da história do país. Como? Bem, muito pelo fato de ser o vice-presidente mais forte dos EUA, com um faro apurado para o poder desenfreado.
Vamos voltar para a questão do filme: como retratar nas telas do cinema o perfil e a história de um político de personalidade tão difícil e que não faz questão alguma de ser popular? É verdade que Adam McKay poderia dar contornos bem negativos ao vice-presidente – e provavelmente sofreria um pesado processo por isso.
O que me surpreendeu positivamente em Vice foi a fórmula usada pelo diretor para interromper sequências que entram no campo da teoria política com a mesma simplicidade de The Big Short. Foram vários adendos que apenas aprimoraram a experiência final. Esta marca, creio eu, será aproveitada durante toda carreira do diretor, já que não existe nenhum motivo contra isto.
Na parte narrativa, obviamente a mais delicada, alguns problemas ficam aparentes: a vida de Dick Cheney (Christian Bale) é contada desde o começo de seu casamento com Lynne (Amy Adams) – época de bebedeiras constantes e de uma vida sem rumo. A amizade com Donald Rumsfeld (Steve Carell) seria a porta de entrada para a vida em Washington, com atuação nos bastidores do poder.
O pouco tempo para explorar uma quantidade tão grande de eventos na vida de Cheney geram algumas distorções: uma cena de um ataque cardíaco, por exemplo, toma mais tempo de exibição do que o incidente da caça no ano 2006, quando o vice-presidente atirou por engano em uma pessoa. E, ao mesmo tempo que o filme destaca desde sua introdução a postura de Cheney no 11 de setembro, o desenvolvimento deste dia na vida do vice é pouco explorado.
Como não poderia ser diferente, McKay não está preocupado em tentar fazer um filme neutro: ele toma uma clara posição ao estruturar sua trama em dois momentos: inicialmente, relata a carreira de Cheney até 1999 – com sua ascensão em Washington e participação no governo Ford até seu período como congressista por Wyoming. Neste momento, o diretor e roteirista apenas trata de fatos amplamente explorados pela historiografia, com pequenas sacadas de humor em questões que envolvem Nixon e Kissinger, por exemplo.
A transição para uma posição opinativa – e a caracterização deste como um filme político, ocorre de forma espetacular, quando McKay simula um final feliz para a história, rola os créditos finais e interrompe estes com a ligação de George W. Bush – que queria Cheney como seu vice na eleição de 2000. Foi aqui que o político deixou de lado a oportunidade de se aposentar e viver o resto de sua vida de maneira discreta para ser odiado por republicanos e democratas e fazer história como vice-presidente.
McKay, neste sentido, coloca nas costas de Cheney e Rumsfeld o fracasso do Iraque e a posterior desestabilização da região – tudo feito de forma rápida e sem relatórios de inteligência que confirmassem, de fato, a ligação entre Al-Qaeda e Saddam Hussein. De forma indireta, McKay também coloca o conflito no Iraque como uma guerra de interesses, especialmente das grandes petrolíferas estadunidenses que durante anos financiou o Partido Republicano. George W. Bush, neste sentido, foi classificado durante o filme como uma pessoa “muito verde” e “sem qualquer experiência”.
Concordo com boa parte das análises de McKay – mas uma impressão que pode causar problemas para o filme é a de que este tenta promover uma pauta típica do documentarismo dentro de um longa-metragem, visando apenas a verdade nua e crua do diretor. Já observo colegas dos Estados Unidos tomando este rumo nas análises sobre este filme, o que é uma pena, já que desconsidera o trabalho intelectual e técnico de primeiro nível.
Vice conta com um memorável trabalho de maquiagem e atuações excepcionais, com destaque para Adams e Carell. Como não poderia ser diferente, é um filme que está causando forte polêmica por propor a retomadas das discussões sobre os abusos da administração Bush, uma ferida que ainda não foi fechada.
NOTA: 7/10
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