Se alguém me dissesse há uma década atrás que Hollywood seria capaz de fazer um filme de ponta sobre wrestling, provavelmente responderia dizendo que dificilmente a Academia indicaria tal obra a um prêmio. Argumentaria citando que a sociedade americana ainda classifica o esporte como algo que envolve pessoas brutas e sempre viu com outros olhos os campeões olímpicos desta modalidade. Afinal, eles não servem para marketing como o atletismo tampouco tem o prestígio para estampar comerciais de relógios de luxo como os nadadores. Em 2008, Darren Aronofsky surpreendeu a todos quando apresentou de forma séria e contundente o lado negativo do wrestling profissional com um grande destaque para a atuação de Mickey Rourke (que perdeu o Oscar para Sean Penn por conta de alguns furos pessoais no mês antes da entrega dos prêmios da Academia). Antes de avançar, uma questão de ordem: por wrestling profissional entende-se as lutas de entretenimento teatralizadas organizadas por empresas como a WWE, populares no mundo inteiro. Foxcatcher (Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo, no Brasil) trata sobre o wrestling amador, chamado por aqui de luta olímpica ou luta greco-romana.
O roteiro escrito por E. Max Frye e Dan Futterman (Capote) inicia em 1987, período em que o campeão olímpico de wrestling nas Olimpíadas de Los Angeles, Mark Schultz (Channing Tatum), parece sem nenhuma motivação para continuar lutando por conta da falta de apoio. Vivendo de pequenos bicos e se alimentando mal, certo dia o magnata John du Pont (Steve Carell) oferece a oportunidade perfeita para Schultz: um salário anual de 25 mil dólares, uma academia de topo e a oportunidade de formar a melhor equipe de wrestling da história dos Estados Unidos. John também quer que David (Mark Ruffalo), mentor e irmão mais velho de Mark, treine em sua equipe, mas a negociação é mais complicada por conta da adaptação de seus filhos e sua mulher, Nancy (Sienna Miller) em outro estado. Os nove anos de parceria e desencontros deste triângulo são contados a partir de episódios que envolvem vitórias, derrotas, drogas e um crime impensável.
Minha principal crítica ao diretor Bennett Miller diz respeito a forma com que ele tenta criar um ambiente de tensão através de longos cortes de cenas.Tanto em Moneyball quanto em Capote tal técnica foi aproveitada em cenas que jogavam o espectador ao clímax da história. No entanto, em Foxcatcher isto ocorre de maneira generalizada. Um exemplo: após Mark ser convocado por John du Pont, temos uma cena do lutador embarcando no aeroporto, que é cortada para uma cena que se passa em um helicóptero que já leva o campeão olímpico para a propriedade do bilionário e que sofre outro corte ao já colocar Mark na sala de reuniões da mansão da família du Pont. Mas, ao contrário de Moneyball, a compreensão do esporte não é um fator fundamental para aproveitar ao máximo o que o longa tem a oferecer, já que a trilha sonora e as expressões faciais dos personagens envolvidos pegam o público pela mão e oferecem o caminho a seguir.
Tatum certamente encarou o papel mais profundo de sua carreira até aqui, mas a falta de suas indicações para os principais prêmios do cinema americano não me causa nenhuma estranheza: ele dá vida a um homem preso em um legado conquistado por seu irmão. Não é de surpreender que o papel mais interessante seja o de Steve Carell, e o longa é cuidadosamente orquestrado em cima do império que du Pont queria construir. Mesmo sendo visto até a década de 1990 como o maior benfeitor da história deste esporte nos Estados Unidos, o homem tinha um ego gigantesco que era alimentado com pequenas conquistas, que tinham seu ápice com o reconhecimento de seus atletas de que ele era o mentor da equipe (apesar de só ter ganho competições neste esporte graças a seu caminhão de dinheiro). A Sony fez uma excelente jogada ao inscrever Carell como o protagonista do longa em todas as premiações, já que abre espaço para o impecável Mark Ruffalo brilhar em um personagem alegre, cheio de vida, preocupado com sua família e com altas expectativas. Apesar da indicação para o prêmio de melhor coadjuvante ser garantida, a disputa com J.K. Simmons é muito difícil.
Mark Schultz não gostou nem um pouco de como sua história foi colocada nas telas e chegou a fazer ameaças contra o diretor do longa. Este problema é bastante comum quando tratamos de uma cine-biografia que envolve uma pessoa viva, já que é natural do ser humano defender seu legado ou pelo menos uma falsa alegoria do que ele representa. O que torna Foxcatcher um filme grandioso é a atenção para pequenos detalhes: o espectador mais atento consegue acompanhar a mudança do perfil de du Pont ao longo do tempo, deixando claro a fraqueza mental, física e espiritual de um homem acima de qualquer suspeita. Para quem não pesquisou sobre os detalhes que cercam a história, o desfecho é surpreendente – mesmo que a falta de explicações sobre os motivos de um ato extremo não serem abordadas nem de perto.
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NOTA: 8/10
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