Andrzej Wajda foi um dos grandes diretores da Europa Oriental. Powidoki (distribuido comercialmente com o título de Afterimage) é a prova de que é possível fazer um cinema poético e simbólico a partir da discussão de passagens de conturbados momentos da história.
A cinebiografia do artista Wladyslaw Strzeminski, o pintor mais celebrados da história da Polônia, trata de um período de transição não apenas na arte, mas também na visão da relação do governo com a sociedade. Por conta disso, um prévio conhecimento da Cortina de Ferro e das políticas da União Soviética para seus satélites ajudam muito na resolução de pequenos detalhes históricos que são transmitidos por leves passagens.
Após o final da Segunda Guerra Mundial, a URSS colocou Bolesław Bierut, um dos mais fervorosos stalinistas da época, no cargo de Presidente da Polônia. Para dar o exemplo para as demais nações, o país decidiu implementar uma política de renovação do homem a partir da linha do realismo socialista, uma proposta de cunho ideológico na qual apenas a arte que patrocinava os interesses do Estado era válida. Wladyslaw Strzeminski (brilhantemente interpretado por Boguslaw Linda), artista que perdeu um braço e uma perna na Primeira Guerra Mundial, passa a sofrer forte pressão para servir ao regime soviético. No auge de sua carreira, com aulas lotadas e idolatrado pelos seus alunos da Escola de Arte de Lodz, o pai do movimento Construtivista polonês dos anos 1920 vê tudo o que construiu ser apagado da memória da sociedade com a destruição de suas obras e humilhação pública por não conseguir emprego. A narrativa engloba uma história secundária que mostra o conturbado relacionamento com sua filha (Bronislawa Zamachowska), com a retomada do laço paternal apenas no pior momento de sua vida.
Afterimage tem uma cena marcante, certamente uma das mais relevantes que presenciei no cinema neste ano: enquanto a cidade celebrava Stalin com um gigantesco banner vermelho com a foto do ditador, Strzeminski abre a janela de seu apartamento para rasgar o pedaço de pano que cobria sua visão da rua. O simbolismo da passagem é notório: Wajda mostra ali a tentativa do governo de colocar em prática a ideologia vermelha com toda força, enquanto o artista lutava pela liberdade de pensamentos.
A fotografia é responsável por intermediar as cinzas da sociedade polonesa pós-guerra com a vibrante arte de Strzeminski. O resultado ficou irretocável, com um estilo refinado que já virou a assinatura do diretor. Aliás, lembro que Wajda é um dos grandes críticos de Stalin no cinema (seu pai, afinal, foi assassinado pelos soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial). Ao mesmo tempo que ele expõe a amargura de Strzeminski com a noção de que a arte deveria servir os interesses do Estado, quem conhece a filmografia do diretor certamente irá se lembrar de passagens de O Homem de Mármore (1977) e O Homem de Ferro (1981), com a exposição da fortíssima burocracia estatal.
Nomeado da Polônia ao Oscar, Afterimage foi o melhor filme de Wajda desde As Senhoritas de Wilko (1979), e uma entrada que fecha com chave de ouro sua extraordinária carreira.
Obrigado, mestre!
* Filme visto no Festival do Rio 2016
** Wajda faleceu no dia 9/10. O texto original foi alterado tendo em vista a notícia.
NOTA: 9/10
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