Produzir um filme sustentado apenas por dois protagonistas – que só dialogam entre si – e tornar a experiência rentável e interessante ao grande público foi um desafio que parecia impossível de ser solucionado no cinema estadunidense após o estrondoso fracasso de Gerry (2002). Quatorze anos depois, Swiss Army Man (Um Cadáver para Sobreviver, no Brasil) prova que é possível entregar esse tipo de filme a partir de um roteiro inteligente e desafiador.
Perdido em uma ilha e prestes a se suicidar, Hank (Paul Dano) nota o surgimento de um corpo na praia. Ele decide deixar de lado a morte para tentar interagir com homem (Daniel Radcliffe), e descobre que pode utilizar o cadáver (que ganha vida em sua imaginação) como recurso para se salvar. Pouco antes da rolagem dos títulos, por exemplo, o corpo do homem é utilizado como um jetski (movido por gases).
O longa independente de apenas três milhões de dólares surpreende pela composição dos personagens dos dois atores. A história não trata apenas sobre uma pessoa perdida em busca da salvação: a complexidade da narrativa pode ser testemunhada com o estabelecimento de dois grandes arcos, que primeiro cria uma imagem de Hank, desesperado por água e comida, para então dar atenção ao estranho relacionamento de amizade e parceria dele com o corpo.
A trilha sonora ajuda muito a quebrar paradigmas na cabeça do espectador. O leve traço surrealista de algumas cenas é necessário para remover qualquer tipo de análise que não englobe o papel do cadáver na história. Tudo é fruto da imaginação de Hank? Estamos assistindo a uma paródia? Talvez um sonho? A provável inspiração em Michel Gondry dá campo para a imaginação prosperar e atuar como elemento decisivo na apreciação de tudo o que o filme tem a oferecer. Para confundir (ou esclarecer) ainda mais, a edição tem participação fundamental no clímax da história, com ótimas sobreposições.
Mesmo assim, Swiss Army Man está longe de ser um filme perfeito. Fiquei com a impressão de que os dez minutos finais comprometeram toda a tentativa de estabelecer dois personagens distintos e fortes, com ótimas atuações de seus atores. Digo isso pelo fato dos diretores Daniel Kwan e Daniel Scheinert desconstruírem a experiência prévia para dar uma justificativa racional ao que foi apresentado (e depois tratam de reverter essa lógica novamente). Além disso, a tomada final tenta resgatar a mágica da abertura, mas sem o mesmo efeito. Nada que comprometa a qualidade geral da produção e as ótimas atuações de Dano e Radcliffe.
NOTA: 7/10