O gênero biográfico está numa constante inovação. Até duas décadas atrás, apenas grandes personagens da história – com grandes feitos – eram dignos o suficiente para conseguirem arrecadar fundos para uma produção cinematográfica. Ainda que essa tendência continue em alta – especialmente em Hollywood – é especial assistir a um longa que consiga surpreender seu público por apresentar uma lógica inversa, que é a da falta de talento.
Inspirado em uma história real – que será contada em Florence Foster Jenkins, estrelado por Meryl Streep, Marguerite (Catherine Frot) é uma duquesa que passa seu tempo em um mundo imaginário onde ela é uma cantora de ópera reconhecida por sua voz. A realidade, no entanto, é muito diferente: em um tons completamente desafinados, que mal conseguem sustentar uma nota, ela é convencida pelo seu marido e pelo seu mordomo de que tem talento o suficiente para lotar os principais palcos da França da década de 1920. Pelo fato de ser uma das pessoas mais ricas de sua região, ninguém ousa contar a verdade para ela, já que todos dependem do seu dinheiro de alguma forma. Tudo piora quando Lucien Beaumont (Sylvain Dieuaide) – crítico musical – consegue acessar a casa de Marguerite e escreve uma coluna no jornal local parabenizando a mulher pela sua voz, o que dá a ela a certeza de sucesso.
Com direção de Xavier Giannoli, a comédia constrói seu campo justamente no bizarro. Não existe um apelo emocional que faça o espectador sentir pena de Marguerite – ao contrário do que deve ocorrer na produção que envolve Streep – e tudo corre de forma agradável graças a um roteiro muito bem trabalhado, que explora com bastante propriedade piadas secundárias que apenas dão força para a figura da protagonista. Isso tudo faz com que o humor se sobressaia de tal modo que o espectador pode relaxar e dar boas gargalhadas. No entanto, talvez uma discussão ética sobre o certo e o errado também caia bem, assim como uma grande reflexão sobre a bola de neve que pode ser criada a partir daquela tradicional ‘mentira para o bem’ ou a ‘mentira para não machucar’.
A ambientação da sociedade francesa da década de 1920 é excelente. Apesar da maior parte do filme ser rodada em uma mansão, o trabalho artístico para remontar trajes de época – e também os costumes – impressiona pela delicadeza. Marguerite é uma deliciosa comédia, que consegue manter um nível excepcional até a última cena. A mensagem final, independente dos problemas sofridos pela personagem interpretada por Frot – é de nunca desistir de seus objetivos – mas manter o olho bem aberto para não ser inocente a tal ponto de se achar intocável.
NOTA: 7/10