Salvador é um filme político com a cara de Hollywood. Apesar de seu pano de fundo impressionante, a fraca articulação entre o melodrama contado por Oliver Stone com a vida real compromete a experiência final.
A transição da década de 1970 para os anos 80 em El Savador foram peculiares. Por um lado, um governo militar forte com milícias armadas pelos Estados Unidos, fortalecidas pela eleição de Ronald Reagan. Do outro, um grupo que pregava a libertação nacional, abraçados ideologicamente com o comunismo e com fortes laços com Cuba e com a União Soviética. No meio do caos que gerou uma das mais violentas guerras civis do continente americano, o fotojornalista Richard Boyle (James Woods) aventura-se com seu amigo, Dr. Rock (James Belushi) para conseguir uma cobertura digna de capa de revista. Inicialmente, Boyle tinha ideia de fazer dinheiro com o conflito, mas aos poucos começa a entender o que há por trás da violência do governo, assim como o papel de seu pais.
Durante as duas horas de filme, Stone aposta em uma curiosa ligação com seu espectador. Ele busca mostrar Boyle como um homem viciado em mulheres, drogas e álcool, que passa a se preocupar com o futuro de El Salvador tão logo toma dimensão dos assombrosos crimes que ocorrem diariamente. No entanto, apesar de Boyle ser uma pessoa real, a falsa mensagem de que o filme é inspirado em eventos verídicos dá a impressão de que o fotojornalista acompanhou de perto alguns dos eventos que marcaram o país, o que não é o caso. Neste sentido, tudo o que acontece por volta do personagem principal parece sem sentido. Ele é o narrador da história, aquele que faz a mediação com o público, mas peca ao levar uma visão descomprometida de herói ao estilo Hollywood, ou seja, o americano que vai para uma terra desconhecida, vê os erros e é bom o suficiente para fazer uma denúncia pública, voltando para o conforto de sua terra natal e gozando da liberdade que outrora havia criticado.
Também é extremamente incômoda a decisão de querer abrir espaço para Woods fazer duas ou três piadas dentro de uma situação tão crítica. Isto deixa claro que o diretor (também responsável pelo roteiro) não buscava um drama tão profundo como Missing, nem mesmo visava analisar as estruturas de poder. Ao contrário, ele queria justamente quebrar o gelo e a tensão a partir de um protagonista fraco, que se deixa moldar por conta do que passa diante de seus olhos. Como de costume, existe um interesse secundário de articular um romance com Boyle a partir da visão de que o American Dream é a solução para tudo – algo um tanto quanto sem sentido, ainda mais por se tratar de Stone – e momentos caricatos de tensão, cortados, novamente, por gargalhadas e piadas.
Lançado na metade final do governo Reagan, Salvador cumpriu seu papel de abrir os olhos dos americanos para o caos que era financiado pelo país na América Central. No entanto, os graves erros e distorcimentos históricos não dão credibilidade acadêmica ao filme de Stone, que reconheceu sua falha e aperfeiçoou o processo de escrita desde então.
NOTA: 6/10