Não é difícil observar o motivo pelo qual o filme Les vacances de Monsieur Hulot (As Férias do Sr. Hulot, no Brasil) é considerado uma comédia cult. O roteiro de progresso lento, com limitadas linhas de diálogo e recheado de um humor inocente e sutil foi responsável pelo impulso que Jacques Tati necessitava. A recompensa veio em dois momentos: inicialmente, com o reconhecimento da qualidade do filme através da ótima arrecadação em um momento delicado da economia francesa. Mas o mais importante, sem dúvida, foi o legado deixado por Tati, que soube criar uma ótima base de um personagem moldado a partir de Chaplin e Keaton, dois verdadeiros gênios da comédia.
Após Jour de fête vencer o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza, Tati recusou várias ofertas de trabalho para focar na criação de seu alter ego, Monsieur Hulot. Bastante atrapalhado e excelente observador, Hulot consegue gerar caos onde menos espera. Nesta produção, o diretor e protagonista apresenta ao público as férias deste simpático senhor, hospedado em um resort a beira do mar. É lá que ele encontra pensadores marxistas, capitalistas buscando ostentar suas riquezas e uma série de indivíduos com peculiaridades bastante chamativas. Hulot não foi feito para ser engraçado a todo tempo, como Chaplin. O tom de humor é construído a partir de uma hilária contextualização, onde nos aproximamos de um homem de boas intenções, mas que sofre pelo seu jeito natural.
Um terço do tempo do filme é dedicado para o estabelecimento da trama, de quase duas horas de duração. Isto é um fato extremamente relevante, e mostra o quanto Tati estava preocupado em contextualizar todo o entorno de Hulot. O resultado é agradável e limpo, mas dificilmente poderia ser emulado nos dias atuais. O que mais chama a atenção, no entanto, é a história contada a partir de um caso do cotidiano. Não existe um objeto central definido, não existe a tentativa de criar um herói ou um vilão. Acompanhamos Hulot lidar com pessoas que facilmente seriam encontradas na França da década de 1950, provavelmente reagindo da mesma forma as situações expostas no filme.
Tati dirigiu apenas quatro filmes após esta produção – e venceu o Oscar de longa estrangeiro em 1958 com Mon oncle. Ele sempre deixou claro que preservava a qualidade e jamais aceitou pressão de produtores e distribuidores, ou mesmo qualquer tipo de interferência que atingisse seu roteiro. E todo este cuidado, refletido nas maravilhosas cenas de Les vacances de Monsieur Hulot, serviu como escola para uma nova geração de diretores europeus. Por conta disto, essa é a obra prima de Tati. Um filme para ver e rever. Um marco na comédia francesa restaurado recentemente pela Criterion em uma versão definitiva, recheada de conteúdo.
NOTA: 8/10