Compreender Tystnaden (O Silêncio, no Brasil) pode ser uma tarefa bastante simples ou absurdamente difícil. Tudo depende da forma como o espectador interage com o roteiro e com as cenas apresentadas.
Ester (Ingrid Thulin) é uma tradutora que está nos dias finais de sua vida. Muito doente e com dores por todo corpo, ela reza para não sofrer durante seus dias finais. Ela viaja de trem acompanhada por sua irmã Anna (Gunnel Lindblom), uma mulher impaciente e inconformada com seu destino. Johan (Jorgen Lindstrom), filho de Anna, parece não entender a situação e observa atentamente o mundo em sua volta. Não sabemos para onde o trem está indo, tampouco sobre o paradeiro do trio. Sem nenhuma explicação direta, eles se hospedam em um estranho hotel, onde o porteiro só se comunica através de gestos e que também abriga uma trupe de midgets. E é em um quarto que Ester agoniza enquanto vê sua irmã se envolver em aventuras sexuais.
Como citei anteriormente, talvez a forma mais simples de explicar este longa seja discutir a conturbada relação entre duas irmãs em um momento crítico de suas vidas. No entanto, não posso deixar de dar minha opinião pessoal (fortemente influenciada pela experiência de Persona, já adianto). Ester e Anna podem ser muito bem uma só pessoa. A primeira seria o cérebro, enquanto a outra caracterizaria o físico. O elo de ligação entre elas é o carismático Johan, que não dá nem um sorriso durante todo o longa: apresentando uma maturidade ímpar, ele passa a compreender o estado de saúde de sua tia e explora os entornos do quarto. Johan não estranha ver sua mãe nua e parece muito próximo de sua tia. Ele quer interagir ao máximo com as duas, e chega a reclamar que sua mãe parece não se interessar em abrir um diálogo consigo.
O título não poderia deixar de ser tratado aqui. É no silêncio que a maioria dos confrontos éticos acontece. Entre as pouquíssimas linhas, Bergman deu prioridade para as atitudes. Quando Johan entra no quarto dos midgets portando uma arma de brinquedo, por exemplo, eles parecem tratar a criança como um rei, inclusive com um pequeno ritual de consagração, em uma cena onde ele veste um traje que seria utilizado para uma apresentação dos anões no teatro posteriormente. Rei posto, rei deposto. Segundos depois ele vê seu traje ser arrancado e volta para os corredores do estranho hotel.
Estranha também é a relação do servente com Ester. Mesmo sem se comunicar através da linguagem (pois o hotel se situava em um país imaginário), o velho senhor (interpretado por Håkan Jahnberg) trata a moça com uma cordialidade única: é ele quem leva o jornal, oferece comida, água e se dispõe a escutar os problemas da vida da moça, mesmo sem entender nada.
As reações ao filme foram as mais diversas possíveis: enquanto Bergman e seus colegas consideraram Tystnaden como uma obra completa sobre “as diversidades do ser humano em situações críticas”, as cenas de sexo e nudez geraram críticas ao diretor sueco. O lendário crítico do The New Tork Times Bosley Crowther, por exemplo, criticou duramente a falta de pudor e a tentativa de Bergman capitalizar as emoções das protagonistas em torno do sexo. Não culpo Crowther, até por entender que ele estava preso em torno de um ideal de cinema conservador aos moldes do Motion Picture Production Code. O filme foi indicado pela Suécia como seu representante para o Oscar de 1964, mas não conseguiu obter nem mesmo a nomeação para a lista final da edição que premiaria 8½ de Federico Fellini. Também foi o último longa da trilogia do silêncio.
NOTA: 7/10