Posicionar uma produção para o Oscar de melhor documentário requer alguns cuidados especiais: geralmente a distribuidora deve inscrever a produção no maior número de festivais e, a partir disso, construir um “ambiente positivo” – que é feito a partir de reações positivas de críticos ao redor do mundo, de prêmios, menções honrosas ou até mesmo de aplausos do público. Boa parte dos membros do comitê de documentário da Academia atuam como jurados ou curadores em alguns dos principais festivais – e uma impressão positiva pode ajudar muito durante a temporada de premiações.
Um documentário tem três formas de ser apreciado pela Academia: a primeira é a tradicional, com sete dias de lançamento em NY e Los Angeles, no chamado qualifying run. Como o custo é elevado, é necessário do apoio de uma grande distribuidora do país para cumprir este requisito. O segundo caminho é a conquista de um festival credenciado pela Academia. No Brasil, por exemplo, quem vence as categorias de competição do É Tudo Verdade já garante a apreciação. O último caminho, muito mais difícil, é de um filme receber a indicação de seu país para o Oscar de melhor filme internacional. Com isto, ele automaticamente é elegível para apreciação em melhor documentário. Um exemplo recente disso ocorreu com A Valsa de Waldheim, da Áustria.
Em 2019, no entanto, temos um ponto fora da curva: Apollo 11, distribuído pela Neon, teve ótima repercussão nos Estados Unidos – especialmente nas sessões IMAX que destacam a qualidade do material. Pode se considerar que este documentário já faz parte da lista de produções mais bem sucedida de seu gênero nesta década em termos de bilheteria. No ano passado, tivemos praticamente a mesma repercussão com Won’t You Be My Neighbor? – que acabou ficando fora do Oscar. Dentro da Academia, muita gente acredita que tirar um documentário de festivais específicos para antecipar seu lançamento nos cinemas acaba sendo prejudicial – e a produção sobre Fred Rogers seria a prova disso.
Contudo, ainda vejo Apollo 11 como favorito – mas com um asterisco. O tipo de narrativa foge do padrão dos premiados recentes da Academia. Não existe uma mediação, não existe contextualização. É bem provável que a Neon faça um grande movimento dentro do comitê de documentários para posicionar isto como trunfo, mas o questionamento segue vivo. O plano B da companhia é Honeyland, que encantou o público em Sundance e também terá seu lançamento no cinemas nos EUA.
Após um ano decepcionante, vejo a Netflix apostar muito forte em duas produções: Democracia em Vertigem, de Petra Costa, está fazendo tudo como manda o manual de indicados: grande aposta no circuito de festivais internacionais, excelente repercussão no exterior e uma forte estrutura da gigante do streaming. Teve seu qualyfing run em NY e LA e contará com alguns dos melhores estrategistas para sua campanha ao Oscar. Tem forte competição interna – o premiado American Factory – discussão sobre mão de obra e diferenças culturais entre EUA e China justamente em uma época de tensão econômica e política entre os dois países. O plano B da Netflix é Knock Down the House – documentário sobre Alexandria Ocasio-Cortez.
A HBO não fez um qualyfing run para o polêmico Leaving Neverland – que não será considerado para o Oscar. A aposta da companhia é Maradona (foto), de Asif Kapadia. Após o lançamento em Cannes, a produção garantiu ampla distribuição nos cinemas europeus, pulando o circuito de festivais. Fará seu qualyfing run nos EUA e, logo depois, entrará no canal. The Inventor: Out for Blood in Silicon Valley – de Alex Gibney – é o plano B da HBO, mas com poucas chances de avançar. Estreou em março e dividiu a crítica, além de ter pulado completamente o circuito de festivais. Em um ano tão competitivo, é bem provável que Gibney colecione outro esnobe para sua lista.
A Sony deixa claro que Maiden, sobre Tracy Edwards, é seu principal nome para o Oscar. Tem lançamento nos EUA neste mês após uma excelente impressão inicial deixada em Toronto.
A Amazon adquiriu One Child Nation – premiado em Sundance – renomeou para One Child Nation e construirá sua campanha em torno deste.
A tradicionalíssima Magnolia tem um catálogo cheio. Mike Wallace is Here tem o trunfo de abordar sobre a carreira do experiente e popular apresentador que marcou época no 60 minutes. Outros documentários, como Hail Satan? e The Brink causaram polêmica e dividiram a crítica nos EUA.
Por fim, a Apple pode tentar entrar no Oscar pela primeira vez com Elephant Queen.
O foco inicial é avançar para a pré-lista, composta por quinze produções. Destas, cinco são indicadas ao Oscar.
Favoritos
Maradona – HBO
American Factory – Netflix
Democracia em Vertigem – Netflix
Maiden -Sony
Correndo por fora
One Child Nation – Amazon
Honeyland – Neon
Mike Wallace is Here – Magnolia
Possíveis surpresas
The Inventor: Out for Blood in Silicon Valley – HBO
Knock Down the House – Netflix
Cold Case: Hammarskjold – Magnolia
Elephant Queen – Apple