Existem filmes que tentam quebrar paradigmas ao pensar no futuro tentando se desvincular do presente. É por este motivo, por exemplo, que 2001: A Space Odyssey, de Stanley Kubrick, é tão cultuado e tem uma fiel legião de fãs. Apesar do grande hype por conta da direção de Steven Spielberg, Ready Player One (Jogador Nº 1, no Brasil) faz justamente o contrário: busca resgatar o passado do espectador e usar essa nostalgia – forçada e nem um pouco natural – para emular uma satisfação que tenta esconder diversos furos de roteiro, carregados tanto pelo livro original de Ernest Cline quanto pelas simplificações e licenças artísticas tomadas por Spierlberg e cia.
Ohio, 2045. Wade Watts (Tye Sheridan) é um jovem de 18 anos que vive no “The Stacks”, um conjunto de trailers “futuristas” que abrigam a crescente população. Todas as pessoas usam a realidade virtual e realizam desejos e sonhos na OASIS — um mundo virtual construído por James Halliday (Mark Rylance), uma espécie de Steve Jobs que alcança o auge na década de 2030. Após a morte de Halliday foi revelado que este deixou uma série de desafios dentro da OASIS. A primeira pessoa a descobrir o easter egg herdaria a OASIS e, consequentemente, controlaria o cotidiano da população. Wade acaba unindo alguns amigos para impedir que a maléfica IOI, liderada por Noah Sorrento (Ben Mendelsohn), controle o mundo virtual.
Os fãs da cultura pop certamente irão gostar das várias referências e filmes e do mundo dos games, que desafia o espectador a captar todas os tributos feitos ao longo das duas horas e vinte minutos de rodagem. Um grande problema no conjunto apresentado pro Spielberg está no ritmo do filme, muito desequilibrado. Sem responder questões básicas do ano 2045 que poderiam auxiliar na compreensão do contexto geral em que Wade vive, o diretor opta por apresentar algumas sequências extremamente lentas que poderiam facilmente sofrer alguns cortes justamente para inserir mais dados no pano de fundo. Dou um exemplo: durante todo filme a IOI aparece como organização intocável, com plenos poderes. Não existe leis e ordens, já que ela tem potencial para rastrear qualquer pessoa e cometer atentados sem qualquer punição. Spielberg salienta as lacunas deixadas por Cline ao negar ao público explicações sobre instituições básicas, como a própria polícia, que é introduzida no filme justamente na conveniência da conclusão, o porto seguro.
Ready Player One também é interessante para discutir a própria visão de futuro de Spielberg. Em 2002, o diretor foi muito mais criativo e correu mais riscos com Minority Report, onde pode discutir ideologia e política. Ready Player One tinha todos recursos para fazer uma crítica social que refletiria no dias atuais – como a abdicação da vida real. Mas no fim temos apenas mais um blockbuster sustentado na mesma base frágil de tantos outros, um caça níquel – ou melhor, um perfeito exemplo de nostalgia bait.
É óbvio que Ready Player One não envelhecerá perante o cinema da mesma forma que 2001. Por estar preso nas entranhas das décadas de 1980 e 1990, existe pouco espaço para que a criatividade – tão cultuada na introdução – realmente tenha alguma parcela de contribuição no resultado final, que ainda apela para velhos recursos de sustentação de roteiro no cinema, como o romance inesperado e subsequentes abusos do instante decisivo para entregar ao público um longa agradável. Uma pena, pois Spielberg tinha em mãos recursos e potencial para adaptar a obra de Cline de forma mais incisiva.
NOTA: 5/10