Espetacular, forte e necessário. Após o enorme sucesso de Tangerine, mais uma vez Sean Baker mostra um senso crítico ímpar. Além de repetir todos os elogios ao diretor, posso dizer com convicção que ele carrega consigo a essência do cinema independente, criando filmes espetaculares a partir de histórias que jamais seriam alvo de Hollywood com pouco dinheiro e muita criatividade para contornar problemas.
Orlando, Flórida. Estamos acostumados a ouvir o nome dessa cidade em temas relacionados à Disney. Riqueza e luxúria também são sinônimos. No entanto, existe um outro lado da região – composta por pessoas humildes, mães solteiras e idosos que mostram o quanto o american dream é uma falácia. É este o alvo de Baker. Testemunhamos a rotina de um tradicional motel estadunidense situado na cidade satélite de Kissimmee dirigido por Bobby (Willem Dafoe). Com uma rigorosa política de habitação (ninguém pode fixar residência lá) – os ocupantes tem que se virar para arrumar dinheiro para o aluguel semanal, sabendo que aquele teto é temporário. Acompanhamos o cotidiano de Halley (Bria Vinaite), que faz o que pode para conseguir ao menos alimentar sua filha, Moonee (Brooklynn Prince), ainda que com refrigerantes e comidas industrializadas baratas. A partir das brincadeiras de Moonee com seus amigos, Scooty (Christopher Rivera) e Jancey (Valeria Cotto), podemos observar como vivem as crianças que não entram na categoria de mundo perfeito da Disney, alternando o tempo com travessuras, caminhadas e pedidos de esmola para comprar um sorvete.
Apesar de ter mais dinheiro para tocar esta produção, Baker não foge de suas tradicionais características. A fotografia é muito semelhante a de Tangerine (as melhoras são apenas no ponto de vista técnico) – e os ângulos avassaladores em diálogos fundamentais ressaltam o precioso trabalho de montagem.
O grande diferencial deste longa é de conseguir estabelecer sua crítica social a partir do mundo visto pelos olhos de uma criança. Halley se prostitui, dá pequenos golpes e vende mercadorias contrabandeadas para sobreviver por mais um dia. O Estado que envia o conselho tutelar para analisar sua conduta e verificar questões sobre a guarda de sua filha é o mesmo que não oferece oportunidades de integração.
Como de costume, Baker consegue tirar o máximo de um elenco sem experiência no cinema. Neste caso, a experiência de Dafoe é utilizada como sólida base para explorar o potencial específico do restante do elenco. É claro que o destaque é a jovem Brooklynn Prince, que encanta com seu vocabulário direto e com seu rosto expressivo. Vinaite, em seu primeiro papel, também entrega uma ótima atuação – mostrando as várias faces de uma personagem complexa.
A fantasia infantil aos poucos perde espaço para o drama da vida real, seja com um incidente que compromete a relação de Halley com a mãe de Scooty ou com um pedófilo em busca de nova vítima. De forma cadenciada e séria, a ferida da pobreza em uma terra que se diz próspera e que oferece condições iguais para todos é aberta.
A conclusão é extremamente eficaz – e a reação do público mostra o alto nível desta produção. The Florida Project, com toda certeza, é um dos grandes filmes de 2017. O impacto causado nos últimos minutos deixa várias questões prontas para discussão. Uma verdadeira aula de cinema, com uma experiência que desperta variadas emoções.
* Festival do Rio 2017
NOTA: 9/10
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