Uma semana após o assassinato do Presidente John F. Kennedy, Jackie recebeu o historiador e analista político Theodore H. White para discutir o legado de seu marido. A icônica entrevista publicada na edição especial da revista LIFE que cobriu os tristes dias finais do mês de novembro de 1963 daria início ao chamado Mito de Camelot, iniciativa para preservar as conquistas de Kennedy ao lhe colocar em uma posição de destaque na história dos Estados Unidos. Um grande silêncio tomou conta de jornalistas e acadêmicos: todos sabiam das traições, farras e muito se discutia sobre a capacidade de John Kennedy para lidar com Nikita Khrushchev. Mas em três décadas foram poucos os que ousavam publicar algo que manchasse a reputação de JFK. Todo esse apelo emocional começou em 22/11/63 a partir de pequenos detalhes que passavam desde a descrição minuciosa do assassinato pelas redes de televisão e rádio dos EUA até a superexposição em torno da família Kennedy. No olho do furacão, Jackie ocupou papel de destaque. E é justamente por entender perfeitamente o contexto que o roteirista Noah Oppenheim dá ao diretor Pablo Larraín a oportunidade de passar por icônicos momentos da vida da primeira dama mais popular do mundo em um filme que evidencia o talento da protagonista, Natalie Portman.
Passei quatro anos pesquisando o governo Kennedy (alvo de meu trabalho de conclusão de curso na graduação). Sempre fiquei impressionado com sua capacidade de articular ligações políticas através de seu grupo de fiéis confidentes (chamados por Robert Dallek de ‘Corte de Camelot’). Larraín acerta em cheio ao mesclar parte da tensão política existente entre Kennedy e Johnson a partir de Bobby (Max Casella) e de Jack Valenti (Max Casella), fiel escudeiro do presidente LBJ (John Carroll Lynch). Obviamente não existe a proposta de discutir o assassinato em si, apesar das várias gravações feitas por Jackie ao longo de sua vida. Isso acontece por Larraín fixar sua narrativa apenas no ano de 1963. Lembranças, como a tour pela Casa Branca – momento em que vários americanos finalmente descobriram a parte de dentro da residência presidencial – são apresentados a partir de uma fiabilidade histórica impressionante: Larraín quis copiar quadro por quadro da entrevista, e o uso do p/b (ou do alto contraste para resgatar a chegada do presidente em Dallas) mostram o competentíssimo trabalho do diretor de fotografia Stéphane Fontaine.
Não tenho a menor dúvida de que estamos discutindo sobre a melhor atuação da carreira de Natalie Portman. Ela deve vencer os prêmios com todas as honras possíveis, pois é evidente que a atriz passou horas estudando o sotaque, a postura e até mesmo as rápidas piscadelas de Jackie. Fora rápidas cenas de Bobby Kennedy, o elenco de apoio não tem nenhum destaque específico. Todos estão focados na tarefa de elevar o nível de Portman. Essa é a proposta de Larraín, e por isso Jackie é um filme tão poderoso. O cuidado em retratar com perfeição o quadro de descrença em Washington monta um quadro geral perfeito para explorar peculiaridades da vida de Jacqueline. O figurino (que destaca os famosos vestidos utilizados por Jackie no dia do assassinato e no funeral de JFK), o excepcional design de produção e a trilha sonora de Mica Levita também chamam a atenção.
Voltando ao Mito de Camelot, Jackie sempre justificou sua escolha de preservar a memória de Kennedy pelo fato das pessoas adorarem ouvir contos de fadas. É através da expressão de dor de Portman que a esposa de JFK dá voz ao seu descontentamento. Com uma impecável produção, Jackie ocupa o posto de um dos melhores filmes de 2016. Envolvente, emocionante e encantador.
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NOTA: 10/10
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