Recebi várias mensagens para comentar a polêmica que toma conta do cinema brasileiro: para quem não sabe, o crítico Marcos Petrucelli foi indicado pelo governo como um dos membros do juri que decidirá sobre o indicado brasileiro, mesmo com a sequência de ataques feitas ao diretor Kleber Mendonça Filho. Neste texto, não pretendo discutir sobre a escolha do juri, muito pelo fato de que essa decisão final já ter sido comunicada à Academia, o que torna a seleção irreversível. Gostaria, no entanto, de deixar claro alguns pontos sobre a importância do país enviar o que tem de melhor.
Após o protesto em Cannes, escrevi sobre um possível boicote do governo Temer ao longa Aquarius no Oscar 2017. Seria a represália perfeita. Com o temor de que isso possa de concretizar, ainda mais após tomar conhecimento das publicações recentes de Petrucelli, penso em dois casos recentes, que vão na contramão: o primeiro é o longa russo Leviatã. Eu participei da conferência que Andrey Zvyagintsev ministrou em Hollywood, em fevereiro de 2015 (dias antes do Oscar), na qual ele repercutia sua nomeação e contava histórias de bastidores sobre a seleção de seu país. Segundo Andrey, ele tinha a obrigação de mostrar o corte completo de seu filme ao Ministério da Cultura, que financiou o longa. Após o final da exibição, o Ministro baixou a cabeça, bateu na mesa e falou: ‘não gostei nem um pouco, mas lhe respeito totalmente’. Naquele ano, a Rússia poderia ter optado por Durak, de Yuriy Bykov, mas preferiu enviar Leviatã mesmo sabendo do conteúdo político do filme. A seriedade do comitê russo na escolha foi aplaudida pela Academia.
Outro caso é o do cinema iraniano: mesmo no governo de Mahmoud Ahmadinejad, o Ministério da Cultura aceitou enviar A Separação como candidato ao Oscar. Não era nenhum segredo o fato de Asghar Farhadi discordar das posições de seu presidente, mas o comitê de seleção percebeu o potencial do filme no circuito internacional e apostou suas fichas nele, mesmo sem ter recurso estatal. Até hoje a Academia mantém boas relações com o comitê do país, muito pelo seu profissionalismo.
Estes dois casos positivos nos mostram como as discórdias políticas não podem entrar no campo do cinema. Quando isso ocorre, o resultado é geralmente catastrófico (e vergonhoso). Poderia citar vários exemplos, desde a Índia, que apenas oferece nomeações para diretores que fizeram acordo de distribuição com o governo, ou mesmo a China, que faz indicações políticas. Tendo tudo isso em mente, digo que estou passando dificuldades para explicar aos colegas estrangeiros que Aquarius corre risco de não ser enviado pelo Brasil. Todos amigos críticos que acompanharam o filme em Cannes só fizeram elogios positivos – e seria o candidato natural de qualquer país que quer brigar pelo prêmio máximo do cinema.
A grande questão é: O Brasil quer ou não o Oscar?
Bom, se o país quiser disputar o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2017, o comitê tem a obrigação de nomear Aquarius. É um filme espetacular, que realmente nos coloca em condições de sonhar pela primeira estatueta. Com uma boa promoção em dezembro e janeiro, Sonia Braga tem total condição de brigar pelo prêmio de melhor atriz. Qualquer outra escolha apenas irá aumentar a lista de filmes brasileiros enviados sem receber sequer menção na lista prévia de indicados. Fora isso, a vergonha de ter que explicar que o governo fez esforços para barrar um dos longas mais aplaudidos de nossa história recente.
Em escrita recente, Petrucelli diz querer escolher o filme com melhores chances de vitória – e lembra de ter realizado a cobertura do Oscar em Hollywood, assim como eu faço. Peço então para ele que entre em contato – informalmente – com alguns membros da ala de cinema estrangeiro da Academia e faça uma rápida pesquisa citando os filmes brasileiros na disputa deste ano.
Simples assim.