Anna Muylaert sempre se destacou como roteirista. A brasileira tem um potencial incrível para moldar suas histórias a partir de realidades paralelas. Que Horas Ela Volta? não é apenas o melhor filme brasileiro da última década, mas também é aquele de maior potencial para o cinema estrangeiro. Neste ano, quando cobri o Oscar, fui perguntado por colegas da Argentina e dos Estados Unidos o motivo do Brasil ter poucas películas ‘exportadas’ para os grandes mercados mundiais. Um deles, inclusive, só conseguiu lembrar de Central do Brasil e de Cidade de Deus, o que não é nenhuma surpresa. De fato, a estrutura do nosso cinema nacional é enrolada e dificulta muito a vida de produtores independentes. O problema não é dinheiro – o governo incentiva como pode – mas tudo o que envolve a rodagem de um longa metragem, que passa desde a formação acadêmica até os equipamentos de produção, apresentam lacunas gigantescas. Sempre disse que somente a toda poderosa Globo Filmes poderia mudar essa imagem e deixar de vender comédias pastelão para tentar focar seus esforços em algo sério e comprometido – e fico contente por poder dizer que foi exatamente este o caso.
Regina Casé faz a melhor atuação de sua carreira interpretando a empregada doméstica Val, que trabalha na casa de Barbara (Karine Teles) e Carlos (Lourenco Mutarelli), família da elite de São Paulo. Ela serve de figura materna para Fabinho (Michel Joelsas) desde seus primeiros passos. A rotina de Val é alterada quando sua filha, Jéssica (Camila Márdila), sai do nordeste para tentar o vestibular em uma prestigiada universidade paulista. Só que Val, após passar mais de uma década longe da menina, não imagina que ela não está nem aí para as regras simbólicas que divide as diferentes realidades sociais apresentadas no filme.
No exterior, o filme foi aplaudido em Berlim, Seattle e Sundance. Infelizmente o retrato apresentado não agradou a uma parte da elite brasileira, que acusou o filme de querer fazer um drama barato. Mas isso não é o pior: já tive a vergonha alheia de ler um artigo de uma brasileira traduzido para inglês onde ela expõe suas discordâncias com o longa – deixando claro que a classe A do Brasil seria idêntica a da Suécia ou Noruega, por exemplo. Isto é uma prova que Muylaert atingiu seu objetivo principal – que era fazer o público colocar história fictícia no cotidiano.
Não preciso dizer que milhares de empregadas como Val espalhadas pelo mundo. O que mais me chamou a atenção nesta produção, no entanto, foi a forma positiva como a protagonista enxerga o mundo. Em certas horas ocorrem alguns exageros (como no fechamento do filme), mas isto não tira as várias qualidades do filme. Em um ano onde a Academia parece fechada em torno do filme húngaro Son of Saul, não se pode deixar de mencionar que, pela primeira vez em muito tempo, o Brasil tem um candidato a altura ao Oscar de melhor longa estrangeiro.
NOTA: 7/10
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