A sensação de Cannes! Um dos melhores filmes de 2014, e indicado ao prêmio de melhor filme estrangeiro no Critics’2015.
Sabe aquela fofoca absurda que aconteceu na família de um amigo seu? Ou aquele caso policial inesquecível e bizarro que marcou sua infância? Pois bem, a premissa básica de Relatos salvajes (Relatos Selvagens, no Brasil) é tratar sobre histórias que acontecem com pessoas comuns, mas que ganham uma grande repercussão por conta de algum fator inesperado e viram verdadeiras lendas urbanas.
Apesar de Ricardo Darín ser anunciado como a grande estrela do longa, não se engane: temos seis histórias que dividem as duas horas deste filme. Cada relato selvagem conta sobre casos em que as pessoas são levadas ao seu limite e optam por atitudes impensáveis. E nestas atitudes, é claro, está todo o charme por trás de um roteiro sem um furo, nada que possa comprometer o brilhantismo desta produção incrível!
Pasternak, caso que entra antes dos créditos iniciais, começa em grande estilo! A modelo Isabel (Maria Marull) entra no avião para uma viagem à negócios e começa uma conversa com Salgado (Dario Grandinetti). Após algumas frases, eles descobrem que todos os passageiros do avião têm alguma ligação com um tal de Gabriel Pasternak. Com uma rápido desenvolvimento, a tragédia (com um traço de humor negro) é repassada para o público de forma surpreendente.
Las Ratas é o segmento que mostra a jovem atendente de um restaurante (Julieta Zylberberg) em busca de vingança. Em uma noite chuvosa, ela descobre que seu único cliente (Cesar Bordon) era o homem que atormentou sua infância e foi o responsável pelo suicídio de seu pai. A cozinheiro e ex-presidiária (Rita Cortese) que divide o turno com a moça oferece colocar veneno de rato para dar um fim ao homem – que agora buscava ser prefeito de Buenos Aires.
El más fuerte é o segmento que oferece o melhor humor negro de todo o filme, por ser uma paródia de casos que ocorrem todos os dias e que estampam as páginas policiais. O executivo Diego (Leonardo Sbaraglia) dirige seu Audi na estrada e começa a xingar o motorista de um simples Peugeot (Walter Donado) após este dificultar a ultrapassagem. O problema é que o veloz Audi acaba com um pneu furado, e o homem do Peugeot busca acertar as contas com o rapaz. É o típico caso de um motorista da cidade contra o homem do campo.
Bombita é estrelado pelo grande Ricardo Darin. Ele interpreta Simon, um engenheiro especialista em demolição que começa a ter problemas com fiscalização de trânsito argentina. Primeiro, ele perde o aniversário de sua filha por conta de uma multa com guincho mal aplicada. E quando ele vai reclamar e pedir seu dinheiro de volta, o fiscal o trata de maneira insatisfatória. A sequência de problemas tem um desfecho espetacular e bombástico.
A podridão por trás das investigações policiais de Buenos Aires é tratada em La Propuesta. O filho de um importante milionário da cidade (Oscar Martinez) se envolve em um acidente de trânsito. Mas não qualquer acidente: ele mata uma mulher grávida e não para para prestar socorro. O advogado (Osmar Nunez), uma espécie de The Wolf argentino (alô, Pulp Fiction) convence o caseiro a admitir a culpa em troca de meio milhão de dólares. Este segmento é o único que não busca fazer graça com a situação absurda que passa a tomar conta do caso e mostra um desfecho forte e que deixa perguntas em aberto ao espectador.
As histórias são contadas em sequência, e não existe uma separação por títulos (que apenas ficam evidentes nos créditos finais). A partir do segundo caso, quando o desfecho já deixa claro ao espectador o motivo do filme ser selvagem, sabemos que toda tela preta significa fim de uma história e começo de outra. Curiosamente, na minha listagem, a ordem de preferência dos casos foi de trás pra frente – vi o mesmo no post de um amigo no IMDB. Talvez pelo fato de que a progressão do longa se dê justamente pelo detalhamento maior das três histórias finais. E claro, a última impressão também é fundamental: por isto, Hasta que la muerte nos separe, o relato de um casamento que tinha tudo para ser perfeito mais vira um inferno após a noiva saber que seu marido a traia com uma mulher que foi convidada para festa, foi colocado para fechar com chave de ouro, já que é muito difícil prever a história que teria tudo para superar o clássico Festen (1998).
Por trás dos relatos, também encontramos uma crítica – por vezes sutil – à sociedade argentina, especialmente a burocracia ímpar do país e a corrupção descontrolada. Mais uma prova de que o cinema argentino se consolida como o melhor da América Latina em termos de qualidade de produção. Um filme para ver, rever e comentar por muito tempo. Espero que pelo menos consiga uma nomeação ao Oscar como reconhecimento. E fica o sonho que a Criterion um dia coloque as mãos nesta obra para fazer um lançamento de primeira, como Relatos salvajes merece.
NOTA: 10/10
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