Na esmagadora maioria das vezes, um filme é contado a partir de uma trajetória linear que começa com um problema e se encerra com a solução deste. Segundo filme da trilogia das cores, Trois couleurs: Blanc (A Igualdade é Branca, no Brasil) foge um pouco desta regra ao fazer uma discussão de moral e caráter que segue pelos seus 90 minutos e se costura a uma história muito bem trabalhada.
A primeira cena do filme é de fundamental importância, pois a compreensão do que ocorre no final passa diretamente pelo que é apresentado logo de cara ao espectador. O polonês Karol (Zbigniew Zamachowski) sofre ao ter de admitir sua impotência sexual perante o juiz que está trabalhando no caso de seu divórcio, pedido pela infeliz Dominique (Julie Delpy). O homem ama com todas suas forças a linda e charmosa loira, mas a falta de sexo foi decisiva para o ponto final na relação. Humilhado, Karol deixa Paris e volta para Varsóvia, onde busca se reabilitar e esquecer definitivamente sua mulher.
A busca pela igualdade pode ser vista na cena final (spoilers adiante). Lembro o leitor que em nenhum momento Krzysztof Kieslowski buscou analisar as cores da bandeira da França pelo viés político, mas sim por uma história pessoal que passa do micro para o macro. A vingança de Karol é detalhadamente articulada. Ele ganha muito dinheiro em um esquema imobiliário (lembrem-se que neste período a Polônia estava se abrindo ao capitalismo), organiza sua morte falsa para fazer parecer com que foi assassinado pela sua ex-mulher. Mas tudo isto ocorre após uma noite de amor, onde Dominique vê que Karol definitivamente não morreu. Ela é acusada pela polícia polonesa de assassinado e vai para a prisão. O clímax do filme está nos últimos minutos, quando a primeira cena é invertida e agora é a mulher quem passa pelo papel de humilhada. O desfecho é supreendente!
A produção mantém o bom nível de Bleu, mas uma coisa me chamou muito a atenção: a música não foi instrumento decisivo para o toque do roteiro. Não me entenda mal: a trilha está no filme, mas ela não é destaque. Talvez a necessidade de contextualizar ao máximo o mundo de Karol e Dominique tenha tirado o sono de Kieslowski, que deixou se afastou um pouco de seu padrão para tentar inovar e adaptar o tema proposto. Sławomir Idziak não participou na construção da fotografia, e sua ausência pode ser facilmente notada. Ao invés do uso de filtros, as tomadas apostaram nos céus cinzentos e no brilho natural para montar bonitas passagens.
Um filme bem feito, mas com uma excessiva preocupação no contexto da história. Talvez fosse melhor manter as dúvidas no espectador.
NOTA:7/10