É cada vez mais difícil trabalhar com conceitos diferentes no cinema contemporâneo – seja no viés prático ou teórico. Qualquer ideia ou ação que fuja do tradicional já é motivo para que as distribuidoras torçam o nariz e interfiram diretamente no processo criativo, visando um resultado final que privilegie um produto com apelo para o mercado. Quando aparece um ponto fora da curva, precisamos reconhecer os esforços. E quando a narrativa foge do padrão e se destaca pela qualidade, a aclamação é natural, por mais que possa ser limitada, ao menos em um primeiro momento. Na minha visão, filmes como The Lighthouse (O Farol) merecem ser celebrados por isso. O diretor Robert Eggers tem méritos totais ao criar uma narrativa cheia de simbolismos, com duas atuações de luxo e desenvolvimento técnico de primeira.
Com inspiração em um incidente ocorrido em 1801 em um farol do País de Gales, a narrativa trabalha em torno do relacionamento entre Ephraim Winslow (Robert Pattinson) e Thomas Wake (Willem Dafoe) – recruta e veterano que dividem esforços em um farol da Nova Inglaterra. Durante as quase duas horas de rodagem, temos uma construção – majoritariamente cíclica – em torno da rotina dos dois, ao mesmo tempo que segredos são ocultados e a alucinação parece realidade.
Para consolidar seu filme, Eggers conta com dois atores no topo de suas carreiras – com destaque especial para o aproveitamento de Dafoe. O que mais encanta em The Lighthouse é o risco tomado ao usar a proporção 1.19:1 – típica dos filmes da transição da era muda para o cinema falado, especialmente no expressionismo alemão. O uso dela na era do widescreen, por si só, já poderia ser um grande ponto negativo para a ampla distribuição, mas é mérito dos produtores e do diretor o trabalho em torno dessa diferença para instigar a curiosidade do público. O preto e branco puro – não emulado na pós-produção, como ocorre com a esmagadora maioria dos projetos recentes – é outro ponto que merece análise. Existe um cuidado especial com os contrastes e na captação da luz, gerando cenas inesquecíveis, aliadas ao bom uso de tomadas fechadas e do close up.
Fora a questão de impacto visual, o filme conta com refinada estruturação sonora. A trilha de Mark Korven se sustenta a partir da batida do próprio farol, com tons assustadores e que ganham relevância pela grandiosa construção de edição e mixagem. The Lighthouse é um clássico instantâneo. Tenho convicção que o trabalho terá ampla visibilidade e reconhecimento dentro do meio do cinema cult, além de servir de pauta para futuros estudos acadêmicos sobre estética cinematográfica.
Para mais, confira meu vídeo:
NOTA: 10/10