Hereditary foi um filme muito divisivo com o público. A proposta de terror de Ari Aster era nova e quebrava tantos clichês do terror contemporâneo que o estranhamento era até normal. Como considerei o longa como um dos melhores de 2018, minha expectativa para Midsommar era enorme. E deixei a sessão com uma admiração ainda maior pelo jovem diretor, e digo isto com um aviso ao leitor: não espere uma experiência sequer próxima à Hereditary. É incrível ver como em pouco tempo Aster desenvolveu dois projetos tão diferentes, com bases sólidas e homogêneas, mas, ao mesmo tempo, com desenvolvimentos criativos controversos e diferentes.
O diretor declarou que a escrita do roteiro foi feita após o fim de um relacionamento. E isso é nítido ao analisar a história da relação de Dani (Florence Pugh) e Christian (Jack Reynor) – casal a beira da separação de um caso que se torna ainda mais complicado por conta de um drama pessoal na família da moça. Um tempo depois, ela decide seguir Christian em uma viagem com seus amigos para uma pequena comuna sueca, onde ocorre um festival celebrado a cada noventa anos.
Com mais de duas horas e vinte minutos de rodagem, o desenvolvimento do filme é extremamente lento – com uma visão inicial sobre a entrada dos estrangeiros na tradição local e a subsequente imersão no cotidiano. Isso permite avançar o peso emocional que a viagem tem em Dani e Christian, da mesma forma que abre espaço para verificar o culto que toma lugar na região. O espectador impaciente pode dizer que é apenas com uma hora que a história engrena, mas são estes detalhes que são valorosos e cada vez mais raros no cinema contemporâneo. Poucos realizadores estão dispostos a correr riscos, e Aster certamente é um deles.
Talvez o que jogue contra Midsommar seja a inevitável comparação com Hereditary. Estes filmes devem ser entendidos como tramas com focos e objetivos diferentes, apesar de que imagino que a rejeição do público seja ainda maior com essa produção pela falta de um gênero específico: não é um terror tradicional, pois não abusa dos jumpscares e sequer manipula sombras e faz uso da montagem tradicional do gênero; apesar de ter um tom dramático, o humor seco dá um toque bizarro para determinadas passagens, gerando um desconforto com a brutalidade apresentada na tela e da interação dos personagens com ela. O trabalho de marketing da A24 nos Estados Unidos tentou centralizar a experiência em torno de teasers e trailers interessantes e bem produzidos, mas que não foram o suficiente para escapar de uma média C+ no Cinemascore.
O trabalho técnico merece louvor: aliás, em um mundo justo, Midsommar seria considerado para o Oscar de melhor fotografia. A parceria de Aster com o diretor de fotografia Pawel Pogorzelski (ambos foram colegas no AFI) calibra de forma excepcional o brilho do sol com as exuberantes paisagens. É difícil criar um ambiente de tensão com a luz do dia, mas a forma íntima dos cinquenta minutos iniciais propõe um mergulho do espectador na trama de forma que é possível absorver completamente a tensão e o desespero dentro do culto pagão.
Se no último ano Aster conseguiu tornar inesquecível a atuação de Toni Collette – a maior injustiçada na última temporada de premiações – agora é Florence Pugh que consegue mostrar todo seu potencial graças ao roteiro versátil e polido. A atriz consegue articular as várias frentes narrativas com pompa – servindo como elo para o desenvolvimento de subplots interessantes, mas que só conseguem ser apreciados caso exista o engajamento com a proposta apresentada. E quando existe certa falta de empatia do próprio roteiro com o arco emocional, especialmente no desenvolvimento do segundo quarto de rodagem, a trilha sonora de Bobby Krlic serve para pulsar e resgatar a atenção.
Midsommar é mais um filme do tipo ‘ame ou odeie’. Por não seguir convenções tradicionais e por não deixar claro seu gênero, terá que fazer um belo trabalho de convencimento para conseguir resultados melhores ao redor do mundo (inclusive no Brasil). De toda forma, espero – e farei o possível – para que exista reconhecimento deste filme no Spirit Awards.
Para uma visão complementar, por favor, confira minha crítica em vídeo (sem spoilers).
NOTA: 8/10