O melhor filme sul-americano de 2018 é Pájaros de verano (Pássaros de Verão, no Brasil) dirigido por Cristina Gallego e Ciro Guerra, mesma dupla que comandou o premiado El abrazo de la serpiente. É um épico que manifesta de forma definitiva o conceito de sincretismo cultural nas telas do cinema. A análise do título do filme, neste caso, mostra a riqueza de detalhes: como apontado por Gallego, pássaros de verão pode se referir aos animais tradicionais da cultura Wayuu, na província de Guajira, quanto aos aviões estadunidenses que começaram a buscar maconha na Colômbia de forma mais frequente.
Após o fim da sangrenta guerra civil que tomou conta da Colômbia por dez anos (La Violencia) – o país parecia caminhar para um período de prosperidade. Na década de 1960, a cultura Wayuu mostrava-se resistente as assimilações por manter seus costumes humildes e simples. O jovem Rapayet (José Acosta), parente de um respeitado mensageiro local, busca a mão de Zaida (Natalia Reyes), moça que recém passou pelo ritual da maturidade. Como Rapayet não faz parte da comunidade local, a mãe de Zaida, Ursula (Carmiña Martínez) pede em troca o cumprimento de uma série de objetivos que parecem impossíveis para um jovem sonhador. Mas Moises (Jhon Narváez), parceiro de Rapayet, descobre que os estadunidenses que fazem parte do Corpo da Paz e que atuam na região estão desesperados em busca de maconha – e começa um pequeno movimento que envolve agricultores e cargueiros locais para suprir a alta demanda.
Com prestígio em alta, Pájaros de verano foi classificado em Cannes como o “Poderoso Chefão da Colômbia”. De fato a estrutura narrativa é atraente: são cinco capítulos – os cantos – que mostram de forma gradual como os Wayuu começaram a deixar de lado costumes locais – apesar da resistência de Ursula – para caminhar em busca dos desejados dólares estadunidenses, que, teoricamente, trariam prosperidade para a região.
Atualmente a discussão sobre o narcotráfico foi ampliada graças a visibilidade da série Narcos – que possibilitou a produção de outros documentários que giram em torno de Pablo Escobar, bem como um interesse do mercado literário em temas relacionados a este. Pájaros de verano, neste caso, seria um prólogo para os crimes da década de 1980, mostrando desde a infiltração estadunidense até a criação de cartéis rivais.
Na época da indicação de El abrazo de la serpiente, participei de uma conferência no Samuel Goldwyn Theater sobre os indicados daquele ano e lembro-me do relato de alguns membros que consideravam o filme extremamente restritivo. Não é o caso desta nova produção. A movimentação das câmeras busca a complexidade por trás de pequenos atos como a construção de luxuosas casas em um local que outrora tinha escassez de alimentos, da mesma forma que privilegia o drama que circula as disputas do crime. Se o trabalho de fotografia merece destaque, o mesmo pode se dizer da maravilhosa trilha sonora, que progride e atinge um clímax justamente na conclusão do filme – fato raro no cinema atual.
Pájaros de verano é extremamente eficiente por conta de sua proposta que discute os traços da identidade nacional que mudaram ao longo das décadas. Acredito que é o único filme do nosso continente que pode competir de igual para igual com os favoritos desta temporada (especialmente Cold War) e marca sua história dentro do arthouse sul-americano. Fica provado que Gallego e Guerra são dois nomes que merecem a atenção do público, já que mais uma vez mostram domínio técnico e inovação autoral. Torço para que tragam mais filmes deste tipo em breve!
NOTA: 9/10