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Corpo e Alma - Crítica do filme

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On Body and Soul (Corpo e Alma) – 2017

On Body and Soul (Corpo e Alma, no Brasil) é um filme extremamente peculiar que, de certa forma, homenageia o próprio cinema húngaro. Muitos colegas estadunidenses analisam a crescente húngara como um fenômeno isolado. Compreendo que a falta de conhecimento sobre o cinema de lá seja absolutamente normal, dado o contexto de isolamento da década de 1970 e a péssima distribuição atual de home video dos clássicos. Mas sinto que devo analisar o nomeado ao Oscar de melhor filme estrangeiro a partir de uma rápida introdução sobre o cinema local para traçar paralelos que considero relevantes.

Após duas décadas de intenso controle do regime socialista sobre a produção de filmes e documentários, os anos 70 prometiam mudanças aos realizadores. Entre as propostas do kadarismo – o comunismo à húngara – estava uma afrouxamento da censura estatal e a liberdade criativa, que deixava de lado a obrigação de toda produção cinematográfica servir ao Estado com dramas que, de certo modo, retratassem a vida do proletariado. Vários diretores, portanto, tinham espaço para levar as telas suas histórias de forma pura, sem intervenção estatal. Miklós Jancsó, que construiu sua carreira até então servindo ao Partido Comunista com histórias que tinham pano de fundo acontecimentos extremamente relevantes na Hungria, passou a adotar o simbolismo como elemento central em sua narrativa, fato que lhe diferenciava de tantos outros diretores de sua geração. É notório que Jancsó influenciou diretamente algumas gerações de diretores húngaros que passaram a considerar a possibilidade de mudar o paradigma de seus filmes da realidade social bruta para um simbolismo subjetivo sutil.

Vejo em On Body and Soul (lançado no cinema doméstico com o título Teströl és lélekröl) uma mensagem da diretora e roteirista Ildikó Enyedi a estes diretores do passado.

O filme conta a história de uma curiosa relação entre Endre (Morcsányi Géza) – diretor de um matadouro – com Maria (Alexandra Borbély), inspetora recém contratada que apresenta tendência anti-social. Ele é um homem na casa dos 60 anos que diz ter encerrado qualquer possibilidade de relacionamento afetivo e parece ter se acostumado com seu braço paralisado. Ela demonstra uma grande inocência em seus curtos diálogos com os demais colegas, e seu comportamento metódico é alvo de brincadeiras e deboches.

Enyedi consegue construir uma história extremamente sólida a partir de elementos simbólicos (tratados no filme como sonhos) que ganham fundamental participação no desenrolar da trama e mesmo na sua interpretação. Cinematograficamente é impressionante o trabalho de fotografia e edição, e a partir disto existe o espaço para uma poesia refinada sobre um romance absurdo – ressaltando extremos como a crueldade e a afetividade.

Vejo no cinema de Ildikó Enyedi a mesma inteligência de diretores como Jancsó, propondo ao espectador uma ampla reflexão a partir de tópicos cotidianos que ganham corpo com o avanço da história. No caso deste filme analisado, a humanidade é o que mais se destaca, já que somos convidados a aceitar duas personalidades distintas que se unem graças a algo pitoresco (mas belo) em um ambiente de trabalho brutal (evidenciado por duas cenas pesadas de abate bovino).

Melhor longa na carreira de sua diretora, On Body and Soul também mostra como a Hungria está consolidando sua posição dentro do cinema europeu, com uma seleção anual de filmes fortíssima e muito melhor do que países com muito mais potencial comercial, como o próprio Brasil. A seleção que indicou On Body and Soul ao Oscar, por exemplo, teve uma lista também composta por 1945, de Ferenc Török, que não fica para trás de qualquer outro nome na lista da Academia deste ano.

NOTA: 8/10

IMDb

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