Neste ano o jornal The Washington Post estreou seu novo motto, “Democracy Dies in Darkness”, alvo de polêmica nos Estados Unidos pela guerra da grande mídia com o presidente Donald Trump. A liberdade de imprensa e a necessidade de discutir fatos internos do governo estadunidense abrem espaço para uma questão complexa: qual o limite da informação? Mais: a mídia pode divulgar arquivos secretos? Novo filme de Steven Spielberg, The Post (The Post – A Guerra Secreta, no Brasil) coloca na tela do cinema a história por trás da publicação dos Pentagon Papers, com foco especial para o jornal mencionado no título do filme. Com uma pegada muito próxima a Spotlight, o filme tem forte apelo pela facilidade de traçar um paralelo com o que ocorre atualmente nos Estados Unidos, especialmente na questão referente ao vazamento de informações.
1971: Daniel Ellsberg vaza o estudo feito por acadêmicos ligados ao Departamento de Estado sobre o envolvimento do país na guerra do Vietnã (Pentagon Papers) para o jornal The New York Times. A matéria de capa no jornal acaba criando forte desconforto dentro da administração Nixon, que processa o jornal por divulgar informações secretas. Kay Graham (Meryl Streep), dona do The Washington Post, acaba se envolvendo nesta batalha jurídica quando seu diretor executivo, Ben Bradlee (Tom Hanks), pressiona pela publicação dos arquivos no jornal, já que o jornalista Ben Bagdikian (Bob Odenkirk) conseguiu mais de quatro mil páginas junto de Ellsberg.
Este tipo de filme deve ser tratado com uma atenção especial, já que é provável que o posicionamento político dos produtores acabe afetando a narrativa. Neste caso, o governo Nixon obviamente é classificado como vilão, seja por entrar na disputa na Suprema Corte contra os dois jornais que publicaram matérias de capa sobre o tema ou mesmo pelas conversas de bastidores que condenavam as ações de Graham (são usadas gravações do ex-presidente). Do ponto de vista histórico, é ótimo ver um investimento alto em um filme sobre um caso que marcou época nos Estados Unidos mas que até hoje não ganha o tratamento que merece nos livros de história, talvez pelo Watergate (inclusive a conclusão do filme deixa clara essa ligação).
Streep e Hanks mais uma vez fantásticos. Não apenas pelo trabalho que os deixou idênticos aos personagens que interpretam, mas pela forma como conduzem a trama. Eles se completam: Hanks abusa da emoção justamente pela paixão pelo que Bradlee fazia enquanto Streep segura o eixo racional, conduzindo os dois clímax deste filme que envolvem grandes decisões.
Ao escrever sobre Bridge of Spies, destaquei como é fácil alterar informações para criar uma história bela e emocionante para emocionar o público. Desta vez existe um comprometimento claro com a história real, que pode ser comprovada tanto pelas memórias de pessoas que participaram da intriga real, como Graham ou mesmo Ellsberg, ou pela própria análise da conjuntura. Spielberg opta, no entanto, por deixar várias lacunas abertas. Apesar destas não influenciarem diretamente na continuidade, certamente será empecilho para uma análise aprofundada do que é apresentado aqui para quem nunca ouviu falar no caso. Não existe, por exemplo, uma postura crítica ao governo Johnson e Bob McNamara (Secretário de Defesa na década de 1960) é um mocinho. A principal falha, no entanto, foi não ter explorado mais sobre a documentação. Fora dois ou três closes nas notícias de capa, o público tem que ir para o cinema com um conhecimento prévio do assunto para entender a dimensão e complexidade deste caso. Do ponto de vista técnico, é louvável o esforço da fotografia de Janusz Kaminski, um dos maiores de todos os tempos.
The Post obviamente brigará pelos grandes prêmios da temporada. Um filme rico, que pode facilmente ser absorvido pelos professores de história para tratar sobre os assuntos mencionados na introdução desta crítica, obviamente apoiado por leituras complementares.
* Agradeço à Fox pelo screener e pela possibilidade de ser o primeiro brasileiro a escrever sobre o filme.
NOTA: 7/10