Esperava muito de It (It: A Coisa, no Brasil). Afinal, considero o melhor livro de Stephen King pelo fato de explorar com extrema competência traumas de infância e conflitos de memória a partir de um texto polido, agradável e coeso. Ao sair da exibição, no entanto, fiquei um pouco frustrado com o resultado da tão comentada adaptação dirigida por Andy Muschietti. Dois são os problemas: o livro e a comparação com a mini-série para a TV de 1990.
Durante uma forte tempestade, Bill (Jaeden Lieberher) faz um barquinho de papel para que seu irmão, Georgie (Jackson Robert Scott), brinque na rua. Só que o barco acaba indo para o bueiro, e o palhaço Pennywise (Bill Skarsgård) está lá para confrontar o pequeno Georgie, em uma boa cena introdutória. O macabro desfecho da conversa segue com a formação do Losers Club, que reúne Bill e outras crianças: Beverly (Sophia Lillis) é uma jovem que é abusada pelo seu pai e sofre bullying no colégio; Mike (Chosen Jacobs) tem um triste passado, e não consegue ajudar sua família nas atividades diárias; Eddie (Jack Dylan Grazer) é um garoto superprotegido pela sua mãe, que não aceita bem as amizades de seu filho; Stanley (Wyatt Oleff) sofre com a pressão imposta pelo seu pai para seu bar mitzvah; Richie (Finn Wolfhard) é o típico falastrão; e Ben (Jeremy Ray Taylor) é um menino envergonhado – talvez por conta de seu peso – mas extremamente interessado na história de sua cidade . O grupo desenvolve uma teoria para explicar os desaparecimentos de crianças na região, que acaba direcionando-os para Pennywise e para os traumas de cada um deles.
Sem dúvida alguma temos que levar em conta os acertos de Muschietti. Ele e sua equipe ambientaram muito bem a década de 1980, e a quantidade de pequenos detalhes demonstra o cuidado para levar essa imersão ao expectador, seja pelo penteados típicos da época ou pelos vestuários. Também considero que a maquiagem foi muito bem feita nas crianças, deixando traços naturais. Outro ponto positivo foi o ritmo geral do filme, que passa a percepção de crianças reais fazendo piadas e brincadeiras de crianças, sem a preocupação com o politicamente correto.
Por outro lado, entrei no cinema com algumas cenas da mini-série de 1990 na cabeça, e confesso que não consigo achar a versão 2017 de Pennywise mais assustadora do que a interpretada por Tim Curry na ABC. O excesso de efeitos especiais, a forma do rosto e o vestuário do personagem de Bill Skarsgård não favoreceram a construção final da Coisa. É obvio que It não tem como protagonista Pennywise. No livro existe a divisão de tempo entre The Losers’ Club e The Bowers Gang, com passagens ocasionais do palhaço. Muschietti até que mantém essa coerência, mas deixa de fora de seu filme um punhado de passagens aproveitadas em 1990 e que poderiam auxiliar na percepção demoníaca do personagem. Outro ponto que me deixou decepcionado foi perceber que as crianças passam mais tempo sendo assustadas (em cenas repetitivas e cansativas que poderiam facilmente entrar como extras na versão final para home video) do que conversando e desenvolvendo sua amizade, um eixo de extrema importância do livro.
Como é de praxe no cinema atual, a experiência final de It é incompleta, deixando todo campo livre para a conclusão da história, já que o livro foi dividido ao meio, com uma importante adaptação temporal. Se por um lado é interessante ver Pennywise, por outro sinto que o principal vilão dos livros de King perdeu grande parte de seu status por conta da sequência final apresentada neste filme, que tira o tom macabro e assustador do palhaço para firmá-lo em uma liga de vilões comuns. Ainda assim, não tenho a mínima dúvida de que estamos falando de um longa que vai fazer muito sucesso no mundo inteiro, inclusive com possibilidade de quebra de recordes de bilheteria em seu gênero.
NOTA: 6/10