Neruda, de Pablo Larraín, é um filme poético com um desenrolar digno de um livro escrito pelo Nobel de Literatura de 1971. O diretor, que tem uma rica filmografia construída em torno da política e violência chilena no período da ditadura (Tony Manero, Post Mortem e No), além da ótima discussão sobre a moralidade na igreja católica no país (El Club) investe agora em uma narrativa sobre o período posterior à Segunda Guerra Mundial, quando o Partido Comunista chileno e seus filiados foram perseguidos pelo governo de González Videla usou a chamada Ley Maldita para justificar a perda de direitos políticos e prisões arbitrárias.
O caso de Neruda torna-se icônico por vários motivos: além de ser um dos principais nomes da literatura latina já na década de 1940, seu prestígio junto aos comunistas era motivo de orgulho para os movimentos de esquerda no continente. Larraín, no entanto, não estava preocupado em seguir a biografia de Neruda (interpretado por Luis Gnecco) de forma fiel, pois a foi partir da criação de um antagonista misterioso a trama ganha notoriedade. Assim que o investigador Oscar Peluchonneau (Gael Garcia Bernal) entra em cena para procurar o poeta (que havia sumido tão logo soube dos boatos de que seria preso), cria-se uma relação ambígua: ao mesmo tempo que Oscar está em um jogo de gato e rato com Neruda, ele mesmo nota que pode ser produto da própria imaginação do poeta.
O roteiro de Guillermo Calderon investe em leves traços surrealistas que abraçam dois tipos de narrativa: a primeira é a tradicional, que investe nos diálogos para moldar seus personagens; a outra, surpreendentemente eficaz, usa narradores em primeira pessoa colocando considerações sobre os episódios recém apresentados na tela. Com sensualidade e um humor negro marcante, o pesado clima político do Chile é transmitido ao espectador com muita propriedade.
O personagem de Bernal dá um equilíbrio que torna Neruda um filme sólido. A excelente fotografia de Sergio Armstrong ganha destaque junto da ótima banda sonora. A técnica e competência e Sergio e Pablo Larraín – com ótimas tomadas que buscam dar uma visão em 360 graus para dimensionar a realidade do protagonista – deixam marcas profundas na experiência final. O grande trunfo, no entanto, é saber utilizar a poesia de Pablo Neruda em momentos chaves do filme. Certamente o espectador que tiver certa familiaridade com a situação política chilena e conhecer passagens clássicas do poeta aproveitará por completo o que o diretor propôs oferecer.
NOTA: 8/10
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