Don Cheadle entrega uma das melhores atuações de sua carreira em Miles Ahead, drama que retrata episódios fictícios da vida do lendário Miles Davis. No entanto, a grande paixão do ator pelo seu próprio projeto acabou criando grandes pontos cegos no andamento da história, que acaba sendo duramente comprometida por um considerável número de decisões ‘estranhas’.
Durante o filme, Miles Davis (Don Cheadle) é apresentado ao público como um homem cheio de talento – mas com vários desvios de personalidade. Junto do repórter da revista Rolling Stone, Dave Brill (Ewan McGregor), ele parte para uma série de aventuras perigosas, como a busca por uma boa quantidade de cocaína, o pagamento de vinte mil dólares – devidos pelo estúdio – e ainda a fita que continha a única gravação feita pelo músico em quase uma década de inatividade.
Dois fatos chamam a atenção: o primeiro é que pouquíssimas cenas tem um pingo de realidade. Talvez o problema com as drogas e seu comportamento violento com sua mulher (Emayatzy Corinealdi) – fatos conhecidos pelos fãs do músico – se destaquem dentro da alegoria montada em cima de um filme de crime B de Hollywood. O segundo fato corre justamente nessa tangente: por qual motivo Cheadle não investiu em um olhar mais pessoal sobre este nome da música e apostou em um roteiro sem sal e injustificável? O ator defende-se dizendo que pensou num filme que Davis gostaria de estrelar, lembrando que sua breve participação em um episódio de Miami Vice, na década de 1980, era sempre lembrada por ele em qualquer entrevista.
Ora, Cheadle nunca foi considerado um ator de ponta em Hollywood – apesar de seu talento ser inquestionável, como visto em Hotel Ruanda. Seu amor por Davis e a vontade de tirar do papel um projeto de longa data merecem aplausos e reconhecimento. É difícil fazer um longa independente nos Estados Unidos – ainda mais quando vários produtores fazem questão de fechar portas pelo fato de um determinado filme não ser comercialmente viável. Mas sua visão de um filme autoral cai em completa contradição quando a escolha do ator coadjuvante – Ewan McGregor – foi feita justamente com o intuito de vender o longa internacionalmente.
Outro grande problema é falta de Jazz! Por incrível que pareça, cada vez mais os diretores deixam de lado um auxílio tão importante na narrativa para inchar seus filmes com diálogos desnecessários. Em Miles Ahead, Cheadle tem um tom perfeito de voz – e a produção musical é muito interessante – mas apenas na sequência final é que uma composição de Miles Davis é tocada na integra. Por ser o pai do projeto, é claro que Cheadle quis envolver todo seu filme em sua imagem, mas um pouco mais de cuidado – e talvez uma voz ativa na produção – poderiam ressaltar a necessidade de levar ao mundo o talento de um dos mais influentes músicos de sua era.
Miles Ahead é cheio de problemas estruturais. Cheadle como diretor abusa de cortes rápidos para dar uma sensação de movimento constante, assim como seu objeto central de análise. Mas é a falta de definição no roteiro o que mais intriga. É por isso que fica a questão: será que era necessário apresentar tantas passagens bizarras para dar panorama geral de um homem ‘problemático’? Neste caso, a opção pelo simples parecia ser bem mais eficaz.
NOTA: 5/10