“Se nós não bebêssemos o sangue dos comunistas, iríamos a loucura”.
É muito provável que o espectador que não assistiu The Act of Killing estranhe o teor dessa frase. É por isto que não tenho dúvida nenhuma de que o documentário The Look of Silence (O Peso do Silêncio, no Brasil) só pode ser compreendido em sua totalidade após a apreciação de seu antecessor. Quem já está acostumado com a pegada de Joshua Oppenheimer sabe muito bem que a frase mencionada acima deve ser entendida literalmente, sem nenhum tipo de metáfora. Para os genocidas da Indonésia, comunistas não são humanos e ocupam o nível mais baixo da escala de vida. Esta é apenas uma dos tantos absurdos mencionados ao longo de uma hora e meia de exibição.
Enquanto The Act visa contextualizar os crimes e as violações aos direitos humanos do expurgo de 1965 e 1966, The Look of Silence busca trazer uma história para a análise. Ela é a de Adi, um oftalmologista de 44 anos que nasceu dois anos após o assassinato de seu irmão, Ramli. Com seu pai praticamente cego e dependente da ajuda de terceiros e sua mãe com o peso da idade nas costas, é ele que sustenta sua família. O que mais lhe assombra, no entanto, é não ter entendimento do motivo pelo qual Ramli sofreu nas mãos dos militares. Sua morte foi tão bruta que ela ficou viva na memória de seu assassinos e na da região onde ele morava.
Junto de Oppenheimer, Adi passa a olhar no rosto de pessoas com participação direta neste caso. Os dois militares diretamente envolvidos neste assassinato faleceram anos atrás, mas o diretor tratou de colocar na mesma sala o oftalmologista com os filhos e a viúva de um dos homens que matou seu irmão. É neste clima forte e na tensão constante que o documentário fixa suas bases, gerando profunda consternação no público.
Um pensamento de Oppenheimer é fundamental para ajudar a esclarecer esta questão: com muita propriedade, ele compara que a situação dos torturadores, que hoje gozam de alto salário e prestígio, pode ser colocada lado a lado como se os nazistas vivos fossem aplaudidos pelo Holocausto. É repugnante, sim, mas a sociedade da Indonésia aceitou isto e adotou a perseguição aos comunistas como parte de sua identidade política. Não é para menos que boa parte dos créditos do documentário tiveram que ser censurados, dado o nível extremo de perseguição. Não existe uma milícia organizada, não existe nenhum tipo de ação partidária. Só resta o olhar do silêncio.
O documentário parece ser o ponto final da história de Joshua Oppenheimer com a Indonésia, relação de mais de uma década. É muito provável e justo que The Look of Silence seja indicado ao Oscar de sua categoria. Resta saber quais são os próximos passos do talentoso dinamarquês.
NOTA: 9/10
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