Sempre que trato de documentários escrevo um pouco sobre a metodologia de análise dos mesmos. No caso de Gascoigne, dedicado a analisar a carreira do polêmico futebolista inglês citado no título, pretendo trazer ao meu leitor uma breve discussão sobre o problema de se trabalhar com uma pessoa viva.
Não precisamos ir muito longe para apresentar provas de que nenhum artista e/ou pessoa famosa quer ver sua imagem denegrida. Recentemente, quando o STF aprovou a liberação das biografias escritas por terceiros, algumas celebridades brasileiras discutiram publicamente o direito de ter seu espaço privado livre de qualquer interferência de terceiros. Quando tal discussão é feita no cinema, em mais de 90% dos casos nos deparamos com documentários elaborados a partir da visão oficial do artista/personalidade citada – uma forma de conseguir credibilidade, mídia e, é claro, a presença do objeto de estudo no papel de entrevistado. Alguns amigos estrangeiros criticaram The Salt of the Earth pela falta de uma voz acadêmica para criticar Salgado – ou pelo menos dar uma visão menos romântica de seus feitos. Mas a questão é: será que Salgado aceitaria ser convidado de um documentário que tenha como proposta discutir seu sólido legado? Provavelmente não.
O que quero dizer aqui é que a esmagadora maioria dos produtores e documentaristas não procuram fazer críticas aos seus entrevistados, mas sim contar a história a partir de sua visão ‘oficial’. Gascoigne comete o pecado mortal de seguir a risca a história a partir do sujeito tema – algo que poderia ter um desconto se não fosse a péssima estruturação do roteiro. Os fãs de futebol provavelmente se recordam do jogador que encantou o mundo na Copa do Mundo de 1990 – e passou por vários problemas com seu joelho nesta mesma década. A rápida duração, no entanto, é injustificável pelo fato de se perder em histórias secundárias e jamais querer tratar de forma séria as dezenas de internações do inglês pelo uso de drogas, seus abusos com o álcool e seus distúrbios mentais. Tudo fica de lado para celebrar sua carreira.
As controvérsias são mencionadas rapidamente, em segundo plano. E nem de perto batem com os registros dos jornais ingleses. Gascoigne, de uma hora para a outra, deixa de ser um jogador problema para ser uma espécie de anti-herói. As entrevistas com Gary Lineker, Wayne Rooney e José Mourinho foram meticulosamente cortadas para fechar integralmente com essa proposta.
No fechamento do documentário de sua vida, Paul Gascoigne fala que aquela era sua história, e aquilo que ali foi mostrado eram imagens positivas que ele gostaria de ser lembrado. Entretanto, o cinema (e em especial o gênero documentário) deve saber tratar seu objeto com um olhar crítico, não aceitando goela abaixo as imposições da fama. O fato de se trabalhar com uma pessoa viva apenas acentua os problemas criados aqui.
NOTA: 3/10