Fukushû suru wa ware ni ari (Minha Vingança, no Brasil) é desconhecido de boa parte do público ocidental. Após o respeitado Noboru Nakamura deixar de lado sua carreira como diretor, Kurosawa dominou o cinema japonês de tal forma que poucos eram os produtores americanos interessados em levar obras de outros diretores senão Akira. Por este motivo, a década de 1970 é considerada como o período da reclusão do cinema local, época em que o sinal verde para produções independentes dependia exclusivamente da Toho. Se analisarmos toda a lista dos filmes japoneses, apenas Kei Kumai conseguiu chegar perto de romper esta barreira imaginária com Sandakan 8, filme que chegou a ser indicado ao Oscar mas teve lançamento muito limitado nos Estados Unidos e na Europa.
O título do filme desperta um bom questionamento. Minha vingança – mas vingança do quê? Dirigida pelo lendário Shôhei Imamura, uma das vítimas do isolamento citado anteriormente, a principal característica deste filme é buscar o traço da sensualidade de cada envolvido na história. Sensualidade que leva ao pecado, que leva a vingança. O ator Ken Ogata dá vida ao serial killer Iwao Enokizu, um retrato fiel feito a partir de Akira Nishiguchi, responsável por uma série de assassinatos no Japão nos anos de 1963 e 1964. Com uma sede insaciável de sexo e com os mais variados problemas sociais e mentais, ele passa a aplicar golpes milionários e foge pelo país desafiando a polícia através dos mais variados disfarces.
Este longa é contado através de um longo flashback. Desde a primeira cena sabemos que Enokizu foi preso pela polícia, e o diretor invoca o passado para efetuar a construção deste personagem de forma gradual e bastante detalhada. Sem um objetivo aparente em mente, o assassino demonstra o prazer de matar e de enganar a todo círculo de amizades falsas que constrói através de golpes de confiança. A impecável atuação de Ogata – sem dúvida uma das melhores do Japão na década de 1970 – é a chave para abrir a vários pontos secundários do roteiro, como a relação de seu próprio pai com sua esposa e todos os dilemas morais enfrentados pelos católicos japoneses quando confrontados com a desonra.
Minha Vingança é um filme do gênero crime do mais alto calibre. Que bom seria se mais diretores de nossos tempos se inspirassem nestas pérolas perdidas e deixassem de lado o padrão imposto pela indústria estadunidense de entregar tudo mastigado. Para tornar um filme tão polêmico quanto este completo, não basta contar a história de um serial killer. Deve-se aproveitar a oportunidade que a grande tela oferece para intermediar a discussão na busca de respostas para a origem do mal. E isto o que Ogata fez com muita propriedade.
Para os fãs de cinema que buscam uma experiência completa deste filme, não posso deixar de recomendar o Blu Ray recentemente lançado pela Criterion, que traz uma excelente faixa de áudio com comentários de acadêmicos e muitas informações suplementares do andamento da produção.
NOTA: 8/10