Paul Thomas Anderson tem uma filmografia de respeito, e seu premiado estilo de direção conquista milhares de novos fãs a cada longa. Inherent Vice (Vício Inerente, no Brasil) é um filme complexo que mantém sua tradicional escrita original, mas requer uma boa dose de paciência para conseguir aproveitar o máximo que a história tem para dar.
O longa foi adaptado do livro homônimo lançado em agosto de 2009 pelo novelista estadunidense Thomas Pynchon. Para quem já leu, um ótimo aviso: Paul Thomas Anderson conseguiu dar vida a grande maioria dos personagens citados na obra original. Fora um que outro corte e algumas licenças artísticas para explorar mais diálogos e deixar o filme com um tom irreverente, a adoção da base original foi a decisão mais acertada possível. Inherent Vice é um filme de crime que mistura comédia e lembra muito Boogie Nights, no que diz respeito ao padrão visual e a Magnolia na escrita – ótimos referenciais, diga-se de passagem.
Gordita Beach, 1970. Joaquin Phoenix interpreta o detetive particular Larry “Doc” Sportello, um viciado em drogas que é conhecido em toda a Califórnia pela maneira peculiar de resolver seus casos. Sua ex-namorada, Shasta Fay Hepworth (Katherine Waterston), aparece de surpresa para denunciar um suposto golpe que envolve seu atual affair, o magnata Mickey Wolfmann (Eric Roberts). A moça diz que a noiva de Mickey está por trás de um plano maléfico com seu amante para colocar o ricaço em um manicômio e ficar com toda sua fortuna. Dias mais tarde, tanto Mickey quanto Shasta desaparecem sem deixar nenhum vestígio, e a investigação toma outro rumo após a entrada de Christian F “Bigfoot” Bjornsen (Josh Brolin) na investigação, um comandante de polícia que tem várias restrições ao trabalho do FBI e prefere trabalhar sozinho para conseguir cada vez mais reconhecimento – e mais tempo na televisão. Doc também recebe um pedido para encontrar Glen Charlock, guarda costas de Mickey (que aparece morto dias mais tarde), e investiga as circunstâncias da morte de Coy Harlingen (Owen Wilson). A investigadora Penny Kimball (Reese Witherspoon) – que mantém um caso com Doc – vira uma grande aliada na busca de respostas.
Reza a lenda de Hollywood que todo o filme de crime feito pós Pulp Fiction que pretende ter sucesso deve explorar um mistério que se aproxime da misteriosa maleta de Tarantino. Em Inherent Vice, a chave para ligar todos os casos que chegam a mesa de Doc está na descoberta do The Golden Fang. Dentre as várias opções, o Golden Fang pode ser um cartel, um sindicato de dentistas, ou até mesmo o nome de um barco de vaga pelo oceano sem rumo. É neste questionamento que encontramos as respostas para entender como o Harlingen fingiu sua morte para trabalhar de informante e para desvendar o destino de Mickey e Sasha – sem contar os casos dos nazistas e uma investigação sobre a morte do parceiro de Bigfoot.
É incrível observar o que Paul Thomas Anderson fez com os 20 milhões de dólares orçados em parceria com a Warner (a primeira colaboração do diretor com um grande estúdio desde Punch-Drunk Love). A ótima fotografia é assinada pelo grande Robert Elswit, frequente colaborador de Anderson que alterna entre filmes com excessiva escuridão e a criação de ambientes coloridos ao máximo. As cores, por sinal, também chamam a atenção nas vestimentas típicas dos anos 70, esforço de Mark Bridges que foi reconhecido com uma indicação ao Oscar. O elenco super estrelado dá conta do recado – tanto é que a Warner fez questão de inscrever nove (!) atores para a disputa do Oscar (infelizmente nenhum foi indicado).
Para os que não tiveram a oportunidade de ler o livro de Pynchon, uma recomendação: não busque respostas a cada cinco minutos do filme. Toda a história é contada com uma riqueza de detalhes e nomes soltos que certamente devem confundir quem nunca teve contato com a obra. Existe uma espécie de narração feita na voz de Joanna Newsom que tenta explicar algumas cenas a partir de uma leitura direta da publicação de Pynchon – que deixa evidente o teor despojado da escrita. Em uma determinada cena já na metade final do longa, Sportello aparece tentando ligar os pontos sobre tudo o que investigou até então, uma lembrança ao espectador de que até mesmo o protagonista está confuso.
O final do filme foi contado da mesma maneira que Paul Thomas Anderson sempre faz, com muitas surpresas e um refinado humor. Quem assiste o filme ás vezes parece cair dentro das várias trips de Doc pelo consumo de drogas, já que seu personagem parece fugir das soluções mais óbvias em algumas situações. Apesar de compreender que isto faz parte da história, este ponto é o principal alvo de críticas do público americano, que considerou exaustiva as duas horas e meia de exibição deste filme (algo que não concordo por conta do alto nível de detalhe).
Um dos melhores filmes de 2014, Inherent Vice é uma celebração ao submundo do crime da década de 1970. O filme estreia em março de 2015 nos cinemas brasileiros.
NOTA: 9/10
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