Jeux interdits (Brinquedo Proibido, no Brasil) foi produzido pelo grande René Clément em 1952. Namorava este filme há algum tempo, especialmente após ficar encantado com o trabalho do diretor em Plein soleil (uma das melhores atuações de Alain Delon, assistam!). Encontrei neste longa uma história bonita e um tipo de trabalho que aborda a inocência infantil de uma maneira impossível de se encontrar em qualquer tipo de filme nos dias atuais.
Paulette (Brigitte Fossey) fica órfã de pais após um ataque aéreo nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Na esperança de fugir com seu cachorro, a menina de seis anos acaba encontrando Michel Dolle (Georges Poujouly), um garoto de família muito humilde. Os pais de Dolle oferecem refúgio à menina e as duas crianças formam uma amizade em que ambos buscam entender o significado da morte e os rituais católicos através da construção de um cemitério para abrigar o cachorro de Paulette.
A cena que mais me chamou a atenção tratava justamente sobre a influência dos ritos na vida cotidiana. Michel conta para Paulette que os mortos devem ser abrigados de baixo da terra para não pegarem chuva, permanecendo assim mais seguros para o descanso final. A menina então se lembra de que seu cachorrinho foi atirado no meio da mata e prontamente retorna para cavar um buraco para enterrar seu animal de estimação. Não passou na cabeça da criança o fato de seu pai e sua mãe também estarem na rua: a imagem do cachorro morto em seus braços a marcou tanto que a amizade de Michel e seu novo lar a confortavam da perda de seus queridos.
A bonita relação entre os protagonistas está construída em cima de um roteiro extremamente eficaz. A preocupação de Clément não foi abordar os bombardeios alemães ou algum tipo de tomada nazista na região. O diretor buscou mostrar a guerra através dos olhos das crianças: a busca pela alegria passava por brincadeiras inocentes com as galinhas do vizinho ou roubando as catorze cruzes da cidade para personalizar o cemitério do cachorrinho.
A produção do longa se envolveu em vários problemas. A história não foi bem aceita na França e o filme foi rejeitado pelos coordenadores de Cannes (René só conseguiu inscrever o longa depois de políticos se envolverem no caso e diretores ameaçarem boicotar as próximas edições do festival). Os organizadores do Festival de Veneza, por sua vez, rejeitaram colocar o longa na lista de candidatos ao Leão de Ouro justamente por ser exibido em Cannes. Bosley Crowther cita em seu livro The great films: fifty golden years of motion pictures que os produtores do filme francês fizeram um barraco geral e conseguiram tornar Jeux interdits elegível após vinte horas de reunião, que foram compensadas com a vitória do prêmio principal na Itália. A Academia ainda concedeu a Clément o Oscar Honorário em 1953 (como a categoria de “melhor filme estrangeiro” só foi regulamentada pela Academia em 1956, nos nove anos anteriores este prêmio foi a forma encontrada de homenagear o cinema fora de Hollywood). A ala comunista francesa considerou a obra como “uma forma de atentado a vida camponesa na França” devido às precárias condições de vida da família, onde um rato dividia o queijo com as pessoas, por exemplo.
Este foi o grande momento na carreira dos dois protagonistas. Poujouly até chegou a trabalhar com Louis Malle em Ascenseur pour l’échafaud (leia meu review aqui), mas não vingou. Fossey virou amiga pessoal de François Truffaut e chegou a participar de outros filmes como Nuovo Cinema Paradiso, mas sempre ocupando papéis secundários.
Polêmicas a parte, Jeux interdits é um filme que aposta muito mais nas ações do que nos diálogos. Clément preferiu iluminar o rosto de Fossey e sugerir a existência de um anjo ao invés de dar um punhado de frases para a garota decorar. O diretor estava certo, já que suas lágrimas e seu sorriso convencem até mesmo o coração mais duro. A poderosa e emocionante cena final é um retrato definitivo dos encontros e desencontros que a guerra proporciona.
[youtuber youtube=’http://www.youtube.com/watch?v=VPilhgUl3oA’]
NOTA: 8/10