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Enemy (O Homem Duplicado) – 2013

Confesso que poucas vezes um filme tomou tanto meu tempo atrás de explicações quanto Enemy (O Homem Duplicado, no Brasil). Baseado na obra do grande José Saramago, o longa de Denis Villeneuve deixa mais respostas do que perguntas. Ao contrário de Mulholland Dr. (spoiler: você nunca vai arranjar uma tese satisfatória para este longa, me desculpe), Enemy apresenta um roteiro extremamente simples, mas tão absurdo que o espectador deve decidir qual caminho de interpretação seguir, para então tentar colocar em ordem tudo o que nos foi apresentado nos 90 minutos de exibição desta película.

Peço licença ao leitor para escrever esta análise em cima de uma discussão sobre o roteiro (spoilers adiante, cuidado!).

“Caos é a ordem ainda não decifrada”. A primeira passagem do filme já nos dá um bom indício do teor desta película. Não espere respostas prontas, pois nem o diretor Denis Villeneuve, nem o roteirista Javier Gullón vão solucionar as interrogações. Javier inclusive citou que sua equipe enviou uma lista de perguntas para Saramago, que infelizmente não foram respondidas por conta da morte do escritor português. O que temos são várias interpretações. Cabe ao leitor aceitar, discordar, duvidar e montar a sua tese em cima de sua experiência pessoal.

Vamos a sinopse do filme: Um professor de história chamado Adam (Jake Gyllenhaal) fica obcecado por um ator de filmes B,  Anthony (Jake Gyllenhaal). Os dois homens são iguais, desde a aparência física até a voz. Na busca para entender o que acontece, a vida dos dois é entrelaçada quando suas respectivas mulheres se envolvem na história.

Caso o espectador queira construir sua interpretação apenas pelo que foi apresentado na atuação dos atores, acredito que seja possível encontrar uma solução simples. Adam e Anthony eram dois homens diferentes, que, por alguma coincidência abusrda eram iguais. As pessoas sem tempo, ou aquele mais irritado, talvez compre essa ideia para acalmar sua curiosidade. No fundo, duvido muito que alguém fique satisfeito ao promover tal constatação, especialmente tendo em conta toda simbologia apresentada por Villeneuve. Após assistir este filme três (sim, três!) vezes em dois dias, sendo que em uma delas utilizei para anotações o mesmo caderninho que passei semanas tentando resolver os enigmas propostos por David Lynch em seu filme citado anteriormente, deixo minha teoria para o leitor.

Na minha visão, este filme trata de forma muito elegante sobre o adultério e suas consequências na vida do homem (representado na imagem da aranha, evidente em uma cena na metade do longa onde uma mulher nua desfila por um corredor com a face de uma viúva negra). Ao mesmo tempo em que Adam é um professor pacato, Anthony é um homem extremamente ativo.

Na cena inicial, vemos um homem em um show erótico. Para mim, esta cena é justamente onde reside a chave para o filme. Aqui, as diferentes personalidades deste homem (divididas entre Adam e Anthony) parecem se unir em busca de um objetivo comum. Minha teoria é de que o protagonista sofre de transtorno dissociativo de identidade. Simplificando, ele vive duas vidas paralelas. Por isto, ao mesmo tempo em que ele está com uma linda mulher (Mary, interpretada por Mélanie Laurent), sua esposa grávida (Helen, interpretada por Sarah Gadon) dorme sozinha em uma das cenas iniciais.

Quando o pacato professor Adam “descobre” sua outra personalidade após se ver em um filme, ele desperta seu lado altamente alfa e tenta fazer sexo forçado com sua bela namorada, o que causa espantosa surpresa nela, já que não esperava esta atitude. O encontro dos dois homens pode ser visto em algumas cenas. Mas o que mais chama a atenção é ver Anthony ser confrontado por sua mulher. Ela não acredita que ele esteja planejando um encontro com seu “clone” e joga: “você está vendo ela de novo?”. Na minha visão, “ela” seria uma referência direta a Mary. A grávida já devia ter descoberto algo relacionado.

Helen, enfim, descobre sobre o transtorno de personalidade de seu marido quando o encontra prestes a dar aula na Universidade. Ao relatar para Anthony sua história, ela diz “é claro que você sabe do que eu estou falando”.

A troca de roupas entre os dois é um mero símbolo da confusão mental do rapaz (provada também pelas insistentes tomadas nos céus cinzas de Toronto). Ele tenta fazer com que Mary aceite Anthony para que, enfim, Helen aceite sua realidade. Ao fazer sexo com Mary, fica claro que a jovem se desespera ao ver a aliança na mão do rapaz. Afinal, ela foi a envolvida na história. Na cena a seguir, o acidente, na minha visão, é utilizado como recurso para indicar a quebra daquela relação, vista na teia de aranha apresentada no vidro trincado.

E se no começo a aranha que despertava o interesse erótico por este homem era pequena (aparentemente poderia ser controlada e esmagada a qualquer horário), na cena final isto ganha outro rumo. Primeiro o protagonista retira uma chave do envelope “confidencial”. Era a chave para abrir a mesma porta dos prazeres da primeira cena. Como um homem havia explicado no elevador, as fechaduras foram trocadas e as novas chaves seriam enviadas pelo correio. Parecia que nosso protagonista agora sim iria dar um rumo a sua vida. Ao olhar para a chave, ele se lembra dos prazeres passados e pergunta a sua mulher se ela tem planos  para a noite, já que ele teria que sair (e utilizar a chave). É então que Helen se transforma em uma gigantesca aranha. A imagem de uma regressão e uma lembrança do que poderia acontecer caso optasse por aquele caminho.

Conclusão: a análise linear e factual do filme é impossível. Não interessa qual tese você opte, sempre haverá um item para discussão. No entanto, caso se aceite a tesa da aranha e do adultério, o ponto é: como um homem pode esconder de sua mulher uma profissão acadêmica? Respondo sugerindo ao leitor o filme The Three Faces of Eve. Sim, o transtorno dissociativo de identidade pode levar uma pessoa a realizar tal ato. Por isto Adam corrige suas tarefas longe de casa, na paz de sua outra mulher.

Um excelente filme! Indicado para gerar ótimas discussões na roda de amigos. Villeneuve e Jake Gyllenhaal conseguiram manter a produção em um nível muito alto para o apertado orçamento deste longa. Espero que esta parceria, que também nos deu o ótimo Prisoners (2013), tenha novos capítulos.

NOTA: 9/10

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